Periódico galego de informaçom crítica

Xistral, parque eólico

por
Serra do Xistral. 

Xistra: água neve com vento forte
(Dicionário Estraviz)

Os in­ver­nos são du­ros no Xistral e a pri­ma­vera de­mora a che­gar a uns cu­mes inós­pi­tos var­ri­dos con­ti­nu­a­mente por ven­tos gé­li­dos. Uma pri­ma­vera que, de­pois, se vai pro­lon­gar num ve­rão fresco e chu­voso. Esta é a re­gião da Península Ibérica com me­nos ho­ras de ra­di­a­ção so­lar… Menos de 1.300 ho­ras de sol por ano!!! Esta baixa in­so­la­ção ex­plica-se por­que, para além de re­ce­ber as fren­tes atlân­ti­cas que afe­tam todo o no­ro­este, esta serra, em si­tu­a­ções an­ti­ci­cló­ni­cas, atua como uma bar­reira frente aos ven­tos de com­po­nente norte, re­tendo a hu­mi­dade oceâ­nica sob a forma de nu­vens abun­dan­tes ou ne­vo­ei­ros den­sos. A plu­vi­o­si­dade mé­dia pode os­ci­lar en­tre 1.350 e 1.700 L m‑2 anu­ais, mas chega a su­pe­rar os 5.000 L m‑2 anu­ais se con­si­de­rar­mos a in­ter­ce­ção da pre­ci­pi­ta­ção oculta (pro­ve­ni­ente das brê­te­mas). O clima des­tas ser­ras clas­si­fica-se como ul­trahi­perhú­mido e ex­tre­ma­mente oceâ­nico. Um clima pouco usual para as la­ti­tu­des e as al­ti­tu­des des­tas mon­ta­nhas can­tá­bri­cas. Montanhas de per­fil ar­re­don­dado com ci­mos e pla­nal­tos não ex­ce­si­va­mente ele­va­dos: Quadramão,1.056 m; Alto de Onsolar, 1.043 m; Pena da Cadela, 1.041 m; Xistral, 1.032 m; Lombo Pequeno, 1027 m…

Lato sensu, o ma­ciço mon­ta­nhoso do Xistral com­pre­ende um con­junto de ser­ras lo­ca­li­za­das, prin­ci­pal­mente, na Marinha, mas que tam­bém pe­ne­tram no Ortegal. A leste, a Serra da Tojiça, aos pés da an­tiga ca­pi­tal min­do­ni­ense; a norte, os Montes do Buio que têm con­ti­nui­dade com os Montes dos Cavaleiros e os de Monte Maior, já quase no li­to­ral ma­ri­nhão; a oeste, a Serra da Coriscada li­mita com a Serra da Faladora, ligando‑o com a Dorsal Galega; e a sul, a Serra da Carva separa‑o da Terra Chã.

Sítio de Importância Comunitária (SIC), 22.964 hec­ta­res do ma­ciço do Xistral fo­ram de­cla­ra­dos em 2014 Zona Especial de Conservação, por al­ber­ga­rem ha­bi­tats pri­o­ri­tá­rios para a União Europeia

Sítio de Importância Comunitária (SIC), 22.964 ha do ma­ciço do Xistral fo­ram de­cla­ra­dos em 2014 Zona Especial de Conservação, por al­ber­ga­rem ha­bi­tats pri­o­ri­tá­rios para a União Europeia, como as tur­fei­ras de co­berta, as tur­fei­ras al­tas ati­vas, as tur­fei­ras al­tas de­gra­da­das (sus­cep­tí­veis de re­ge­ne­ra­ção na­tu­ral), e as char­ne­cas hú­mi­das atlân­ti­cas tem­pe­ra­das das ur­zes Erica ci­li­a­ris e Erica te­tra­lix. Os seus im­por­tan­tes va­lo­res bo­tâ­ni­cos são ates­ta­dos po­las mais de 500 es­pé­cies de plan­tas vas­cu­la­res des­cri­tas ou pola sua in­clu­são na Rede Preliminar de Áreas Importantes para as Briófitas (mus­gos, he­pá­ti­cas e antóceros).

As in­ten­sas pre­ci­pi­ta­ções inun­dam os pla­nal­tos do Xistral, cri­ando so­los hi­dro­mór­fi­cos, onde se vão acu­mu­lando gran­des de­pó­si­tos de ma­té­ria ve­ge­tal morta que, com a pas­sa­gem do tempo, aca­ba­rão por se trans­for­mar em turfa. O com­plexo das tur­fei­ras do Xistral-Quadramão for­mam, com 6.593 ha de ex­ten­são, a maior zona hú­mida da Galiza e o prin­ci­pal nú­cleo de tur­fei­ras do sul da Europa. A to­po­ní­mia des­tas tur­fei­ras é bem sig­ni­fi­ca­tiva: Barreiras da Lagoa, Branhas de Penas Gordas, Chão do Lamoso, Tremoal de Chão da Veiga Mole, Tremoal da Veiga do Rial (tre­mo­ais por­que nes­tes pra­dos o chão treme quando se pisa)… Nos Montes do Buio ex­plora-se in­dus­tri­al­mente um des­tes de­pó­si­tos de turfa para ob­ter subs­trato de jardinagem.

A im­por­tân­cia am­bi­en­tal das tur­fei­ras é in­dis­cu­tí­vel. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), ainda que as tur­fei­ras cu­bram ape­nas 3% da área ter­res­tre, ar­ma­ze­nam quase 30% do car­bono do seu solo, cons­ti­tuindo-se no su­mi­doiro de car­bono mais efi­ci­ente do pla­neta. No Xistral, mui­tas des­tas tur­fei­ras es­tão co­ber­tas por mus­gos do gé­nero Sphagnum, al­guns pouco co­muns como S. molle e S. py­la­e­sii; ou­tras ca­rac­te­ri­zam-se pola for­ma­ção de den­sos pra­dos de ci­pe­rá­ceas e gra­mí­neas, onde en­con­tra­mos es­pé­cies como Eriophorum an­gus­ti­fo­lium, Nardus stricta ou o car­riço en­dé­mico do no­ro­este pe­nin­su­lar Carex du­ri­eui. Habitante das tur­fei­ras é tam­bém a la­gar­tixa-das-bra­nhas (Zootoca vi­vi­para). As suas po­pu­la­ções can­tá­bri­cas per­ten­cem à su­bes­pé­cie louis­lantzi, pa­ra­do­xal­mente, oví­para, que nes­tas ser­ras nor­te­nhas, li­mite sul-oci­den­tal da sua área de dis­tri­bui­ção, chega a apa­re­cer em al­ti­tu­des sur­pre­en­den­te­mente bai­xas, de me­nos de 400 m.

Abutres no Xistral.
Abutres no Xistral. 

Nestas tur­fei­ras têm a sua nas­cente qua­tro im­por­tan­tes rios. Um de­sa­gua no Atlântico, o Eume, e três no Cantábrico, o Landro (ini­ci­al­mente rego Avelaira), o Ouro e o Masma (ini­ci­al­mente rego Pedrido). Nestes cur­sos flu­vi­ais acha­mos, por en­quanto, a tou­peira-de-água (Galemys py­re­nai­cus), um ma­mí­fero raro e ex­clu­sivo da me­tade norte da Península Ibérica e dos Pirinéus.

Nos va­les do Eume e do Pedrido po­de­mos ainda ob­ser­var pe­ga­das do gla­ci­a­rismo pleis­to­cé­nico. Duas bor­bo­le­tas, Erebia tri­a­ria par­ga­pon­da­lense e Erebia epiph­ron xis­tra­len­sis, su­bes­pé­cies en­dé­mi­cas, se­gundo Fernández Vidal, o en­to­mó­logo que as des­cre­veu em 1977, se­riam re­lí­quias des­ses pe­río­dos glaciares.

Do ponto de vista ge­o­ló­gico, este ma­ciço está for­mado na sua me­tade oci­den­tal por ro­chas me­ta­mór­fi­cas (lou­sas, xis­tos, pa­rag­nais­ses e quart­zi­tos) e por gra­ni­tos na ori­en­tal. Os quart­zi­tos do Xistral, com es­tru­tu­ras pi­ra­mi­dais que so­bres­saem na pai­sa­gem, con­ti­nuam po­los Montes dos Cabaleiros e che­gam à costa em Burela. Em áreas gra­ní­ti­cas, como a Tojiça, os agen­tes ero­si­vos fí­si­cos e quí­mi­cos mo­de­la­ram va­ri­a­das for­mas na ro­cha como al­véo­los, pias, ca­cho­las, cris­tas, do­mos, bo­las, cas­te­los… Perto da Fraga da Moradoira, en­con­tra­mos a cha­mada Pena Abaladoira que tem sido re­la­ci­o­nada com ri­tos de fer­ti­li­dade e com or­dá­lias ou juí­zos de Deus. Segundo a crença po­pu­lar, os es­cul­to­res deste mo­de­lado gra­ní­tico se­riam os “pa­gai­nhos”, mi­to­ló­gi­cos mo­ra­do­res do Xistral.

Fundamentais na ma­nu­ten­ção da bi­o­di­ver­si­dade deste es­paço na­tu­ral são os ca­va­los e va­cas que pas­tam li­vre­mente por ma­tos, bra­nhas e pra­dos. Os abu­tres-ful­vos (Gyps ful­vus), que têm nes­tas mon­ta­nhas o seu único dor­mi­tó­rio ga­lego, so­bre­voam os re­ba­nhos à pro­cura de al­guma ví­tima do lobo ou da do­ença, sem­pre com cui­dado de evi­tar as pás dos no­vos moi­nhos de vento, que desta vez não são os moi­nhos do Quixote, mas ver­da­dei­ros gigantes…

As Serras Setentrionais trans­for­ma­ram-se nas duas úl­ti­mas dé­ca­das num imenso par­que eó­lico. Todas as fon­tes ener­gé­ti­cas, mesmo as re­no­vá­veis, não dei­xam de ter um forte im­pacto am­bi­en­tal e pai­sa­gís­tico. A su­posta ori­gem an­tro­po­gé­nica do atual aque­ci­me­mento glo­bal não pode ser­vir para jus­ti­fi­car esta in­va­são to­tal, por terra, mar e ar, do nosso país.

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