A asturiana Aida Rodríguez Álvarez viveu entre o 2016 e o 2018 em La Plata, Argentina. Habitou em distintos bairros, mas foi nos Altos de San Lorenzo que acabou por criar raízes. Foi ali também que entrou em contato com coletivos como a murga Atrapando Sueños ou o Circo al Fondo, sementes da Zona Autónoma Liberada dos Altos de San Lorenzo. A ZAL é um espaço assemblear e autogerido em processo de construçom. É também outro modo de entender os bairros e os laços entre quem os habita. Em novembro, Aida relatou a sua experiência no âmbito das jornadas organizadas por Lugo Sen Mordazas.
Como é Altos de San Lorenzo?
É um bairro imenso, todo Altos de San Lorenzo é zona de assentamentos, com algumhas áreas muito villeras. A ZAL encontra-se na última rua com paragem de autocarros urbanos, no bairro do Cemitério. Muitas casas fôrom construídas pola ONG “Um teto para o meu país”, outras som de autoconstruçom. Há ranchos, como chamam às cabanas; estám as casillas, de madeira pré-fabricada, e logo há casitas de tijolo. Tudo misturado.
Qual é a presença de serviços de Administraçom no bairro?
Quase nom há serviços, falta de tudo. As pessoas, na Argentina, estám habituadas a construírem a sua vida de forma coletiva. Nom recebem ajuda. No bairro é habitual verem-se cozinhas populares com panelas gigantes a darem de comer às pessoas. Muitas maes organizam os «copos de leite» para dar o lanche às crianças. O bairro consegue cobrir as suas necessidades coletivamente.
E, em termos educacionais ou dos cuidados de saúde?
Na Argentina registam-se uns níveis de alfabetizaçom muito altos. Existem uns Bacharelatos «Populares». Durante a época de Kirchner- Cristina Kirchner, presidenta da Argentina entre 2007 e 2015- fôrom, em certo modo, regulados. Som as pessoas que tomam conta deles, havendo livre contrataçom. Eu trabalhei num, em La Plata. Emitíamos títulos, mas isto com Macri ‑o atual presidente- mudou. Eu era mestra em ciências sociais, e ensinávamos como funcionam a violência policial ou o assédio institucional. Porque o estado está ausente, exceto no que toca à presença policial. Por outra parte, nos bairros, metade das raparigas de quinze anos já tenhem um ou dous bebés. Quanto aos cuidados de saúde, na Argentina existem o que se chamam de Conselharias de Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva. Estes centros funcionam graças a médicos que, de forma voluntária, passam consulta. Numha situaçom de nom-direito podem praticar abortos. No bairro, onde se localiza a ZAL, está-se a apoiar a criaçom de umha Conselharia.
Qual é o trabalho que desenvolvem a murga Atrapando Sueños e mais Circo al Fondo no bairro?
Atrapando Sueños organiza oficinas de murga, umha dança popular argentina, ao passo que oferece apoio escolar para crianças. Todas as crianças do bairro fam parte do projeto, e participam dos Entrudos. O coletivo organiza ainda oficinas de muralismo, ou de rap. Circo al Fondo surge há cinco anos. Fidel, um homem do bairro, e Milena comprárom umha casa com um terreno. Nele, ao fundo, montárom umha estrutura de circo aéreo para treinar. No bairro muitas casas nom estám pechadas, a rapazada olhava para eles. -“Y esto, qué onda?”. -“Pon acá un pié, probá”. Foi assim que nasceu Circo al Fondo. Em La Plata é muito conhecido. No 2017, polo seu quinto aniversário, montárom umha tenda e mais de quatrocentas pessoas assistírom ao espetáculo. Este foi o desencadeante de que um vizinho acabasse por lhes oferecer um lote de terreno a preço económico, para que tivessem um espaço próprio, o que agora é a ZAL.
Porque decidem transformá-lo na ZAL?
Fidel, de Circo al Fondo, e Jabo, doutro coletivo, decidem comprar o terreno. Naquela altura nom existia a assembleia da ZAL, propugérom-lhes às assembleias da murga e do circo coletivizar a dívida. Acabou assim por nascer umha assembleia diferente, que incorporou gente nova. Eu entre elas. Limpámos o terreno e começámos a ter reunions umha vez por semana.
Foi também em assembleia que se debatérom os princípios que regem a ZAL. Quais som?
Por necessidade, adotamos o princípio antipatriarcal. No bairro há situaçons muito violentas. Antes da greve de 8 de março, já tínhamos feito trabalho prévio com as mulheres. De facto, na sequência disto decidiu-se que nas segundas nom entrassem homes na ZAL, as pibas criárom um círculo de mulheres. Os pibes também figérom um grupo de deconstruçom de género. Outro princípio é o antiadultista. Várias pessoas da ZAL tenhem crianças, trabalham muito nas opressons com foco na infância. Ser antiadultista, no senso de nom empatizar a infância, de nom tomar decisons polas crianças. Outro pilar importante é o anticolonialista, na Argentina a maior parte de movimentos assumem-se como tais. Além disso, somos antiimperialistas, e, portanto, anticapitalistas e antiliberais.
Que atividades se desenvolvem na ZAL?
Dentro há vários projetos. A murga, umha cooperativa de forja que envolve rapazada do bairro, o circo. Está o grupo de empoderamento, houvo cinema de verao, umha horta comunitária também.
Iniciárom um projeto de micromecenato que acabou por nom se concretizar. Que outras opçons estám a ser ponderadas?
Agora mesmo estamos a questionar-nos mesmo se fazia sentido criar umha campanha através da Goteo. Marcam ritmos «europeus», é preciso fazer o pagamento através de cartão, que ninguém tem no bairro…, mas, é verdade que conseguimos divulgar a ZAL, reproduzir em palavras o que é, criámos um blog. Agora estamos a entrar em contato com as pessoas que conhecemos e que participárom na campanha, para que contribuam economicamente. Conseguimos pagar a dívida dum terço do terreo, e estám a ser organizadas jornadas para construir umha parede e casas de banho.
Há na tua experiência na ZAL e em Altos de San Lorenzo umha reflexom sobre o bairro como espaço partilhado.
Na Argentina nom se fala de cidadaos e cidadás, mas de vizinhas e vizinhos. Bom vizinho é quem gera apoio mútuo, quem gera bairro. Os bairros tenhem a sua própria idiossincrasia, nom é algo estanco ou impermeável. Há conflitos, nem tudo é idílico. Mas existe umha diferença enorme com Espanha. Aqui os bairros estám mortos, as associaçons vicinais perdérom muita força. Fam atividades de consumo, oferecem zumba, xadrez, costura. Ali nom. Nom há associaçons como tal, mas organizam-se assembleias impressionantes. A fome neste inverno foi terrível, e organizárom-se assembleias, montárom-se cozinhas populares, houvo manifestaçons. Também há muita organizaçom a nível territorial, com assembleias territoriais, regionais e multissetoriais.