“O prazer é algo autônomo, é a capacidade que temos as pessoas de gozar, porque o nosso corpo é sensível. O prazer não o dá ninguém (…) a capacidade do prazer depende da disponibilidade pessoal mais que o virtuosismo alheio”
Fina Sanz
A aula de 4º da E.S.O, uma sala de aula grande, com bastante luz e muita vontade de falar e compartir sobre a sexualidade. Somos 32 pessoas. No início, a vergonha estava em muitas caras, nos sorrisos tímidos ou nos comentários baixinhos com curiosidade, vários olhos me observam ansiosos de saber o que a “Profe de Sexualidade” vem contar.
A surpresa é grande quando vêem que eu não vou contar nada, o que vou é perguntar, e as perguntas que estão no ar durante todas as aulas que estamos juntos, são: para você o prazer? Como o sente? De que forma reage o teu corpo?
Durante seis semanas estivemos escutando, observando, perguntando, reflexionando sobre os temas mais importantes para a vivência prazenteira do universo da sexualidade. Compartindo, chegamos ao ponto central de toda a galáxia erótica: O Prazer.
Se falamos e não experimentamos,
a percepção teórica dos temas abordados fazem morada na mente sem caminhar pelas emoções
Se falamos e não experimentamos, a aprendizagem, a perceção teórica dos temas abordados fazem morada na mente sem caminhar pela linha de estrelas que são as emoções. Para caminhar, primeiro é necessário saber como está o corpo, como é, de que maneira sente, vive e se expressa…
Ao propor uma atividade de perceção corporal ao grupo, fechar os olhos, e simplesmente com os dedos conhecer-se desde o bom trato, a cabeça, os olhos, as pálpebras, bochechas, boca, orelha, pouco a pouco, desde o carinho, desde o quarto próprio que falava Virginia Wolf, na sala, no espaço de auto-conhecimento construído desde cada pessoa.
Observamos as caras de surpresa, alegria, bem estar ao terminar a atividade. Curiosamente, alguém que era apático durante as aulas presenteia o grupo com um sorriso grande de satisfação e comenta: gostei muito.
Ao fazer as avaliações qualitativas do tempo que estivemos juntos, a maioria como a atividade que mais gostou e desfrutou. Auto-conhecer-se gera prazer. O simples prazer de saber como cada pessoa sente. O prazer que não reside em simplesmente passar a mão, reside no toque.
Se o prazer individual serve como porta para a construção do desfrute com outras pessoas, abrimos um espaço de relação onde o bom trato é o centro dos encontros eróticos
O prazer como centro da Educação Sexual é primordial para abordar todos os outros aspetos. Se falamos do prazer como fio condutor da nossa erótica e práticas amatórias, se o introduzimos através do auto-conhecimento, falamos transversalmente de orientações do desejo, falamos de diversidade de corpos, de diversidade de sensações, falamos de consentimento, falamos de desfrutar, falamos do respeito pessoal, relacional e social.
Atualmente assistimos um debate político não, este debate tem o objetivo de regular juridicamente os limites que cada pessoa deveria saber, se o prazer fosse o eixo das relações, se realmente a educação sexual fosse metodologicamente baseada em facilitar ferramentas para identificar e viver o prazer, creio que não estaríamos debatendo sobre isto, já que nos relacionamos por prazer.
Se o prazer individual serve como porta para a construção do desfrute com outras pessoas, abrimos outro espaço de relação, onde o bom trato é o centro dos encontros eróticos.
Como pode ser que vivemos em uma sociedade onde a violência e a falta de simpatia e empatia erótica estão mais valorizadas que o prazer? Se pensamos friamente, se temos que perguntar se a outra pessoa quer estar comigo é que muitas sinais de que não tem vontade, já foram dados, simplesmente não o quisemos ver.
Imprescindível é ver que o prazer é o motor que gera vínculos, que possibilita que os sexos (que se faz, que se é e que se sente) se comuniquem e se conectem com as outras pessoas desde a alegria e a felicidade. Se percebemos o prazer no corpo da outra pessoa, nos seus olhos, na sua forma de tocar, de respirar, ampliamos o nosso mapa erótico e amatório, criamos pontes de intimidade sem exigir, sem esperar, sem estar pendente do que dirá e sim do que podemos criar gozando. Recebemos e damos a través da diversão, da curiosidade, da sensação de conexão. Deste modo, favorecemos espaços bidirecionais nas estradas do jogo erótico e o desfrute.
Valorizando o prazer, fomentamos o bom trato, incidimos no estar bem para sentir mais e melhor, para desfrutar e favorecer espaços de crescimento
O prazer não etiqueta, não discrimina, não distingue de raças, cores de pele, idiomas, territórios. O prazer não é amigo das fobias. Podemos identificar um sorriso de alegria perfeitamente no rosto de uma pessoa feliz; e porque temos vergonha de identificar o prazer no nosso corpo? Porque temos receio de pedir, de comunicar de que maneira sentimos prazer?
Valorizando o prazer, fomentamos o bom trato, incidimos no bom, no positivo, no estar bem para sentir mais e melhor, para desfrutar e favorecer espaços de empoderamento e crescimento. E talvez através desde este paradigma seremos capazes de debater política, jurídica e socialmente como viver e educar para que todxs possamos atender, cuidar, conhecer e desfrutar, sem tantos “contratos” e sim com mais contacto.
O prazer é o espaço ideal para expressar os desejos.
Ao finalizar o trabalho nas aulas, terminamos nos conhecendo e conhecendo uns aos outrxs a través do desfrute. Proponho ao grupo a mesma atividade com um companheirx. Primeiro cada pessoa se pergunta a si mesma se fazer a atividade, o meu prazer é o centro. Falamos que quando acariciamos, transmitimos energia e quando somos acariciadxs também.
A proposta gera olhadas tímidas mais decididas, já provamos a satisfação de sentir cada umx a si mesmx, já sabemos que é gostoso e, já não há medo.
Abrimos a porta ao prazer de ser.