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Só muitas vozes, muitas vezes, fazem umha língua 

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Neste ano 2023 a Através Editora pu­blica na sua co­le­çom Através das Letras a Antologia de Poesia em Língua Portuguesa A boca no ou­vido de al­guém. Sob a co­or­de­na­çom de Tiago Alves Costa, es­cri­tor por­tu­guês se­di­ado na Galiza que, para além dos seus la­bo­res de me­di­a­çom cul­tu­ral ga­lego-por­tu­gue­sas, par­ti­ci­pou em es­col­mas poé­ti­cas como a Antología de Poesía Iberoamericana Actual (2018), ou a World Anthology Border: Blurred and Political (2021), este vo­lume do selo edi­to­rial da Associaçom Galega da Língua aco­lhe as vo­zes de 43 po­e­tas de oito paí­ses e três con­ti­nen­tes: Galiza, Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e a Guiné-Bissau. 

Com o ob­je­tivo, as­si­na­lado no pre­fá­cio polo co­or­de­na­dor do vo­lume, de “des­per­tar uma vi­são di­fe­rente da(s) lusofonia(s)”, som an­to­lo­ga­dos tex­tos de po­e­tas cuja data de nas­ci­mento está ba­li­zada no ano 1975, iní­cio da tran­si­çom para o re­gime au­to­nó­mico na Galiza e da des­co­lo­ni­za­çom dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Isto evi­den­cia cro­no­lo­gi­ca­mente a von­tade de re­pre­sen­tar tanto a mu­dança po­lí­tica e dis­cur­siva, como a atu­a­li­dade e a di­ver­si­dade das vo­zes con­vo­ca­das (a fi­gu­ra­rem, aliás, com con­si­de­rá­vel equi­lí­brio em re­la­çom a pro­ce­dên­cia ge­o­grá­fica ou género). 

Provavelmente se­jam di­ver­si­dade e mul­ti­pli­ci­dade as ca­te­go­rias que me­lhor res­pon­dem à pro­cura dumha sín­tese para as di­fe­ren­tes poé­ti­cas deste vo­lume, no qual a po­e­sia é en­ten­dida, em pa­la­vras de Alves Costa, como “exer­cí­cio de pe­ne­tra­ção na re­a­li­dade, afir­mando-se como a nova fonte emo­ci­o­nal e dis­sol­vente de ideias, am­pli­fi­cando sin­gu­la­ri­da­des” pre­sen­tes, por sua vez, na mul­ti­pli­ci­dade de cor­pos, iden­ti­da­des e até de lín­guas que com­ple­men­tam as mui­tas vo­zes, his­tó­rias, dis­cur­sos e vi­sons dum mundo em cons­tante e ver­ti­gi­nosa mudança. 

É pos­sí­vel iden­ti­fi­car ainda ou­tros pon­tos de con­fluên­cia en­tre as poé­ti­cas com­pen­di­a­das, tais como a cons­ci­ên­cia de es­tar­mos a ha­bi­tar um pre­sente de­fi­ní­vel “pela de­ca­dên­cia pa­té­tica da mo­der­ni­dade hu­mana” —em pa­la­vras do cabo-ver­di­ano Rony Moreira— e a sus­peita de que este pre­sente con­ti­nu­ará num fu­turo que, diz o ga­lego Alexandre Brea, “já não me pode con­ter”, ou que “es­corre sor­ra­teiro sa­nita abaixo” para a an­go­lana Cíntia Eliane Gonçalves. A ads­cri­çom da pró­pria iden­ti­dade en­tre am­bos os tem­pos traz con­sigo a au­to­cons­ci­ên­cia dos li­mi­tes da au­to­ex­pres­som, das ten­ta­ti­vas de mar­car pre­sença en­tre o si­lên­cio e o es­que­ci­mento, a pe­sar do “ano­ni­mato de sim­ples mor­tais” apon­tado pola bra­si­leira Sofia Ferrés, que se tra­duz numha olhada ao mundo “a par­tir da pró­pria afa­sia”, se­gundo a tam­bém bra­si­leira Francesca Cricelli. 

As di­fe­ren­tes vo­zes, cor­pos e iden­ti­da­des que se ex­pres­sam na lín­gua co­mum nesta an­to­lo­gia saída agora na Galiza, aju­dam a cons­truir co­mu­nal­mente o corpo de que “toda lín­gua pre­cisa” (se­gundo afirma a bra­si­leira Michaela Schmaedel), “des­po­jando os seus cor­pos de morte” (o verso é do são-to­mense Orlando Piedade) com “o es­perma com o qual / en­gra­vi­da­mos de es­pe­rança os ou­vi­dos do tempo” (diz o an­go­lano Ernesto Daniel). O li­vro torna-se, as­sim, um re­mé­dio para as “ci­ca­tri­zes e mi­co­ses do tempo” de que fala a mo­çam­bi­cana Énia Lipanga e, até, quiçá, para o si­lên­cio das lín­guas “do­en­tes” (é a por­tu­guesa Luiza Nunes a di­zer) em­pe­nha­das, tal­vez, “em fa­lar so­bre o que as si­len­cia” (ou­tra vez Sofia Ferrés) sem sa­ber ao certo que “nada que pos­sas ex­pur­gar, go­ver­nar ou aba­ter” (diz a bra­si­leira Carla Carbatti desde a Galiza) será feito sem o con­curso de mui­tas vo­zes, mui­tas vezes. 

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