Quando o direito a viver se converte numha obriga à vida aparece a palavra eutanásia. O PSOE iniciou o trâmite parlamentário para a sua despenalizaçom, mas quanto sabemos dela? Para o advogado especializado em direito sanitário Miguel Vieito é fundamental que a sociedade saiba como exercer os seus direitos para dispor deles. Manter esse debate, aponta, “faria avançar intelectualmente” a sociedade.
A minha mente é a única parte do meu corpo que ainda está viva. Sou umha cabeça atada a um corpo morto”, sustinha Ramón Sampedro perante os tribunais quando em 1994 pedia que lhe autorizá-se a eutanásia. Iniciava-se umha batalha legal e social que marcou um antes e depois. Sampedro recebeu negativas em todos os tribunais aos que acudiu, da Audiência Provincial da Corunha, ao Tribunal Supremo espanhol e inclusive chegando à Corte Europeia de Direitos Humanos.
Dezassete anos após a morte de Ramón Sampedro, a Junta aprovava a Lei de direitos e garantias das pessoas enfermas terminais, onde se aprofunda nos direitos a receber cuidados paliativos
O caso de Sampedro cada vez foi mais famoso. O homem que ficara tetraplégico com 26 anos ao bater nas rochas quando se tirara ao mar na praia das Furnas, em Junho, alçou a sua voz e, com ela, umha luita: a da morte digna. Quando já nom havia mais tribunal ao que recorrer, em 1998, Sampedro encontrou onze pessoas que organizárom umha trama de açons que permitissem a Ramón cumprir com o seu desejo de morrer tratando de evitar que algum acabasse em prisom. Todo foi filmado, um documento gráfico que emitiria integramente umha canle privada de televisom e algumhas partes também se incluiriam no posterior filme Mar Adentro, onde o diretor espanhol Alejandro Amenábar relata a história da luita de Ramón Sampedro. “A intençom foi minha e polo tanto meu é o ato”, sustém Sampedro no vídeo.
Nom houvo nenhum outro caso com as dimensons do de Ramón Sampedro, mas sim se fôrom somando mais vozes que reclamavam a eutanásia como um direito que devia ser conquistado.
Lei da morte digna
Antes do verao, as Cortes espanholas votárom em duas ocasions sobre a despenalizaçom da eutanásia
Dezassete anos depois da sua morte, Galiza aprovava a Lei de direitos e garantias das pessoas enfermas terminais, onde se aprofunda nos direitos a receber cuidados paliativos ou em rechaçar tratamentos que prolonguem umha situaçom de agonia. Assim, reconhece-se o direito da pessoa em estado terminal ou agónico a receber sedaçom. Esta lei também recolhe o dever do pessoal médico a limitar o esforço terapêutico quando a situaçom clínica o aconselhe e considera que o tratamento na fase terminal da vida “deve estar orientado a mitigar o sofrimento da pessoa enferma, apesar de que, como consequência acidental deste tratamento correto, poda acelerar-se a sua morte. O dever do facultativo a respeito da pessoa enferma nom o obriga a prolongar a vida por cima de todo”.
Ainda que reconhece que foi um passo adiante, o advogado especializado em direito sanitário, Miguel Vieito, é crítico com o nascimento desta normativa. “É umha lei baseada na jurisprudência e que nom inova”, sustém, “e entra em contradiçons em alguns pontos como é o dos menores”.
No caso dos nenos e nenas, a normativa remete à lei estatal que apenas lhe reconhece aos menores capacidade de decisom. “É umha lei que dá mais autonomia aos pacientes agás aos menores, que lhas quita”. Isso, sustém, “é fruito do descuido e estes casos som demasiado complexos como para deixá-los descuidados”. O positivo da lei foi a “visibilizaçom dos cuidados paliativos e ser um apoio argumental para o pessoal médico que defende os paliativos”.
“É preciso aclarar que os cuidados paliativos som medidas de conforto”
Um dos casos mais conhecidos sobre a morte digna em menores foi o de Andrea Lago. A cativa de 12 anos ingressou no Hospital Clínico de Compostela no verao de 2015 por causa do agravamento dumha doença neurodegenerativa irreversível. Três meses depois da aprovaçom galega sobre os direitos dos pacientes terminais, os pais de Andrea solicitam umha morte digna para a sua filha.
O julgado de primeira instância número 6 de Compostela autorizou o plam terapêutico que pautara o serviço de pediatria do hospital no mês de julho e, mês e meio depois, recebérom o apoio do Comité de ética assistencial adscrito à gerência da área sanitária de Compostela.
O dia 30 de setembro os pais de Andrea comparecem perante os meios de comunicaçom pedindo umha morte digna para a sua filha e denunciando que o hospital continua a manter o suporte vital da pequena. A gerência do CHUS acode ao julgado, consultar o caso, e insiste em que nom existe “obstinaçom ou sobre-esforço terapêutico” nengum.
Nom será até 5 de outubro quando o hospital, após reunir-se com a família com a mediaçom do julgado, retifica e acorda retirar-lhe a alimentaçom. Andrea morre em 9 de outubro.
Nas Cortes
Após umha moçom de censura nas Cortes espanholas, o secretário geral do PSOE, Pedro Sánchez fíjo-se com a presidência. Ciente de que nom decorrerá muito tempo até as seguintes eleiçons, o novo governo espanhol apura a introduzir mudanças normativas que poidam definir o seu governo de cara aos novos comícios. Umha dessas mudanças legislativas é a despenalizaçom da eutanásia.
Nas portas do verao o Congresso dos Deputados tivo duas sessons arredor da despenalizaçom da eutanásia. A primeira foi em maio, quando tomou em consideraçom a proposta de despenalizaçom da Generalitat de Catalunha, que propunha umha modificaçom no formulado do Código Penal para que esta prática deixasse de ser considerada um delito. Esta iniciativa contou com a abstençom de Ciudadanos e a oposiçom dos grupos parlamentares de PP e UPN.
Em junho chegou a proposta do PSOE, formulada pouco depois da aprovaçom da proposta da Generalitat. Na iniciativa apresentada polo socialismo espanhol recolhe-se que poderiam solicitar a eutanásia as pessoas com nacionalidade espanhola, ou residência legal no Reino da Espanha, e maiores de idade. Assim, os supostos em que poderia aplicar-se a eutanásia seria nos casos de “enfermidade grave e incurável” ou de “umha discapacidade grave crónica”. A pessoa solicitante teria que estar devidamente informada das alternativas e solicitá-lo de forma voluntária, no mínimo, em duas ocasions. A proposta também procuraria garantir que a eutanásia seja mais umha prestaçom do sistema público de saúde. Nesta ocasiom, Ciudadanos votou em favor da proposta. Esta formaçom política tem apresentada umha proposta de lei, que se encontra em trâmite parlamentário e que também conta com o apoio do PP e do PSOE, sobre a morte digna em que se procura o desenvolvimento dos cuidados paliativos.
Em 2017 o grupo de Unidos Podemos já apresentara umha proposta de despenalizaçom da eutanásia, porém naquele momento o PSOE decidiu votar na contra. Poucas diferenças existem entre a proposta de 2017 de UP e a atual do PSOE. A de UP nom especificava a necessidade de nacionalidade espanhola e incluía que as menores emancipadas poderiam solicitar a eutanásia, que poderia aprovar-se nos casos de “enfermidade terminal” ou um “sofrimento físico ou psíquico” considerado “intolerável” pola solicitante, ademais de algumhas diferenças no procedimento, pois na proposta de 2017 contabilizavam-se um total de três requerimentos voluntários para que profissionais da medicina pudessem realizar a eutanásia.
Necessidade de debate social
“A regulaçom proposta polo PSOE assemelha muito com o modelo holandês ou belga, as pioneiras na eutanásia em Europa!”, sustém Miguel Vieito, “mas para que umha norma seja garantista cumpre um repouso”. O advogado critica a inexistência dum debate social prévio nestes anos mais recentes. “É um assunto complexo e com muitos matizes morais”. Ao mesmo tempo considera que se necessitam “mais esforços para publicitar e afiançar os cuidados paliativos, é preciso aclarar que som medidas de conforto”. Insiste na necessidade deste debate social como umha forma de “avançar intelectualmente” no país.
“A regulaçom proposta polo PSOE assemelha-se muito com o modelo holandês, mas para que umha norma seja garantista cumpre um repouso”, sustém o advogado Miguel Vieito
Para encontrar desinformaçom nom é necessário que se instaure a nova normativa, já que a dia hoje “a maioria das pessoas nom sabem que existe um documento de assistências previas”. Neste papel, pode-se deixar reflexada a vontade como paciente de receber ou nom determinados tratamentos paliativos. “Haverá um debate quando a lei entre no último tramo de aprovaçom, mas irá-se apagando e nom ficará claro como se vai poder exercer esse direito. Os profissionais nom saberám bem quando poderám acolher-se à objeçom de consciência e nom disporám de formaçom qualificada, especialmente sobre como gerir as emoçons”. Por último, di: “tampouco vem acompanhada dum orçamento”.
A normativa caminha sem um debate social e sem um aval orçamentário que garanta a sua correta implementaçom através de formaçom e dotaçom de recursos. Tampouco se está a conectar a possibilidade de despenalizar a eutanásia com o resto de serviços sanitários oferecendo umha ótica integral. “A lei acabará funcionando, mas só pola vontade dos pacientes e as profissionais”.
O que é a eutanásia?
Umha questom de conceitos
A eutanásia foi definida em Bélgica como “o ato executado por umha terceira pessoa que intencionalmente dá por rematada a vida dumha outra a petiçom dessa pessoa”. No outro lado do Atlântico, em 1997, a Corte Constitucional de Colômbia matiza a diferença entre a eutanásia e a eugénia. “Confunde-se os conceitos de homicídio eutanásico e homicídio eugenésico; no primeiro a motivaçom consiste em ajudar a outra pessoa a morrer dignamente, em tanto que no segundo persegue-se como fim, com fundamento em hipóteses pseudocientíficas, a preservaçom e o melhoramento da raça ou da espécie humana”. Anos depois, os filósofos Marvin Kohl e Paul Kurtz sintetizaram a definiçom da eutanásia como “um modo ou ato de induzir ou permitir a morte sem dor como um alívio do sofrimento”.
A eutanásia no Código Penal
A eutanásia encontra-se recolhida no Código Penal entre os crimes de induçom e cooperaçom com o suicídio
No Código Penal recolhe-se a eutanásia como delito no ponto 4 do artigo 143, em que se estabelecem as penas para a induçom e cooperaçom ao suicídio. Este ponto indica que “quem causar ou cooperar ativamente com atos necessários e diretos à morte doutra pessoa, por petiçom expressa, séria e inequívoca deste, no caso de que a vítima sofresse umha doença grave que conduziria necessariamente à sua morte, ou que produzisse graves padecimentos permanentes e difíceis de suportar será castigado com a pena inferior num ou dous graus ás assinaladas nos números 2 e 3 deste artículo”. Nesses dous epigrafes citados recolhem-se as penas por cooperaçom ao suicídio, sendo de dous a cinco de anos de prisom pola cooperaçom em atos necessários e de seis a dez anos se a cooperaçom “chegasse até o ponto de executar a morte”.
Em 1984, nasceu a associaçom Direito a Morrer Dignamente a nível estatal promovendo o direito de toda pessoa a dispor com liberdade do seu corpo e da sua vida, escolher livre e legalmente o momento e os meios para finalizá-la e defender os direitos dos pacientes terminais e irreversíveis a, chegado o momento, morrer pacificamente e sem sofrimentos se esse é o seu desejo expresso.
A autonomia da paciente
Assim, a prática da eutanásia e do suicídio assistido ‑que se diferenciam fundamentalmente em que a primeira é realizada por profissionais da medicina e a segunda pola própria pessoa solicitante- encontra-se penada legalmente. Porém, a legislaçom estatal e autonómica leva anos a avançar no respeito da autonomia do paciente, excluindo sempre as práticas eutanásicas. A lei estatal de autonomia do paciente de 2002 regula que este pode negar-se a um tratamento e que todas as atuaçons médicas terám que ter o consentimento da pessoa enferma. Nesta lei, regula-se também por vez primeira o documento de instruçons prévias, conhecido popularmente como ‘testamento vital’, em que umha pessoa deixa escrito antecipadamente como quer que seja o seu atendimento se nalgum momento nom tem capacidade para expressar a sua vontade. A lei especifica que nom poderám executar-se instruçons contrárias ao ordenamento jurídico.