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O desporto de todes?

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Kathrine Switzer cor­reu a ma­ra­tona de Boston em 1967 (ex­clu­siva para ho­mens) ins­cre­vendo-se só com as ini­ci­ais do seu nome. Durante a car­reira foi ata­cada por parte dum dos or­ga­ni­za­do­res, mas deu con­ti­nu­ado gra­ças ao apoio dos ou­tros cor­re­do­res. Rematou a com­pe­ti­çom em 4h 20 min e cinco anos mais tarde per­mi­tiu-se a par­ti­ci­pa­çom das mulheres.

A se­gre­ga­çom por se­xos no des­porto pode es­tar en­fren­tando a sua maior “crise”. Por crise en­ten­de­mos um tempo para re­pen­sar­mos, para ver­mos se toda açom é jus­ti­fi­cada ou se­gui­mos pa­drons sem sen­tido por­que “sem­pre foi feito assim”.

A dis­tin­çom das ca­te­go­rias nom é igual em to­dos os des­por­tos. Nalguns nom há se­pa­ra­çom nen­gumha; nou­tros, as ca­te­go­rias vam por peso, idade, sexo… Distinguir ca­te­go­rias po­las ca­ra­te­rís­ti­cas das jo­ga­do­ras é po­si­tivo. Isto ga­rante umha com­pe­ti­çom em igual­dade e cria es­pa­ços se­gu­ros, li­mi­tando os ris­cos de le­som en­tre as par­ti­ci­pan­tes. Cada des­porto é muito di­fe­rente do ou­tro; é com­pli­cada a ge­ne­ra­li­za­çom. Contodo, é pos­sí­vel ques­ti­o­nar se a se­pa­ra­çom por se­xos, nal­guns des­por­tos, tem a sua base em ar­gu­men­tos fí­si­cos ou ideológicos.

A par­ti­ci­pa­çom da atleta de hal­te­ro­fi­lia Laurel Hubbard nos jo­gos olím­pi­cos abriu um de­bate so­bre as pes­soas trans no des­porto e, em con­sequên­cia, so­bre a se­pa­ra­çom por se­xos. Também, ca­sos como os das fu­te­bo­lis­tas Mara e Martín Rojo cau­sa­ram con­tro­vér­sia há uns anos atrás. Mas an­tes de en­trar no des­porto de elite, po­de­mos olhar para os des­por­tos de base, onde, se­gu­ra­mente, é onde mais se está a ob­ser­var a in­ci­dên­cia deste questionamento.

Olhando o exem­plo do fu­te­bol (um dos des­por­tos mais es­ten­di­dos na nossa so­ci­e­dade atual), é ha­bi­tual que as li­gas lo­cais se­jam uni­ca­mente mas­cu­li­nas, por nom ha­ver su­fi­ci­en­tes ra­pa­ri­gas. O “nom ha­ver su­fi­ci­en­tes” nom quer di­zer que se­jam pou­cas. Nom som su­fi­ci­en­tes para con­for­mar por se­pa­rado umha liga lo­cal in­teira, mas som mui­tas. Dentro das mu­lhe­res ex­cluí­das te­mos que le­var em conta to­das as pes­soas que nom es­te­jam pre­sen­tes nas nor­mas de gé­nero, como as pes­soas trans e nom binárias.

É sur­pre­en­dente que esta seja a so­lu­çom pe­rante um pro­blema tam com­plexo. Em es­pe­cial, sur­pre­ende o fato de con­si­de­rar que nos des­por­tos de base a di­fe­rença de cor­pos é maior que nos des­por­tos de elite, nos quais o treino é cons­tante e com pla­ni­fi­ca­çom. Poderíamos di­zer que, neste ní­vel, a me­dida de se­pa­rar por se­xos pode ser tam inú­til como efetiva. 

Javier Gil Quintana, um dos pri­mei­ros in­ves­ti­ga­do­res so­bre a in­clus­som das pes­soas trans nos des­por­tos, afirma numha en­tre­vista no Confidencial que ca­re­ce­mos de es­tu­dos so­bre a se­gre­ga­çom por sexo. Porém, nos Países Baixos a so­lu­çom a ní­vel ama­teur é clara: o fu­turo do fu­te­bol ama­teur é misto. 

Nesse país, ques­ti­o­ná­rom o jogo se­gre­gado e fi­gé­rom es­tu­dos. Finalmente, foi de­mons­trado que a di­fe­rença nas ca­pa­ci­da­des de ho­mens e mu­lhe­res no fu­te­bol ama­teur nom é su­fi­ci­en­te­mente sig­ni­fi­ca­tiva. Os es­tu­dos só fa­lam do fí­sico: quiçá isto va­lide que nom ques­ti­o­nar a se­gre­ga­çom é, na ver­dade, ide­o­ló­gico em mui­tos casos.

Rejeitar jo­ga­do­ras é ob­vi­a­mente mais rá­pido que pro­cu­rar a in­clu­som no campo. Para al­can­çar umha com­pe­ti­çom mista é pre­cisa a eli­mi­na­ción do ma­chismo, da ho­mo­fo­bia e da trans­fo­bia do campo. Nom é pos­sí­vel umha com­pe­ti­çom em igual­dade se man­te­mos com­por­ta­men­tos discriminatórios. 

É pre­ciso criar umha a pers­pe­tiva que nom es­teja posta numha com­pe­ti­ti­vi­dade tó­xica (mui li­gada à “mas­cu­li­ni­dade”), onde as fal­tas se­jam parte do jogo, en­ten­di­das como umha es­tra­té­gia den­tro do campo. Deixar ir essa ten­som pode aju­dar a que as ca­te­go­rias nom se­jam tam rí­gi­das. Todas lem­bra­mos a frase “o im­por­tante é par­ti­ci­par”, mas nom se­me­lha fá­cil de apli­car na realidade. 

Se que­re­mos criar umha liga mista, nom se trata sim­ples­mente de jun­tar gente: te­mos por di­ante um tra­ba­lho mais com­plexo. Isto pa­rece tê-lo claro a liga Gallaecia (liga mista de fu­te­bol gaé­lico), a qual nas suas ba­ses re­co­lhe que o pro­ce­di­mento para al­can­çar umha liga mista re­quer um de­pu­ra­mento dos com­por­ta­men­tos no campo e no vestiário.

Megan Rapinoe ce­le­bra um gol no Mundial de França 2019. ber­na­dett szabo 

Ora bem, quando dei­xa­mos atrás os des­por­tos de base e imos a com­pe­ti­çons in­ter­na­ci­o­nais, o que acontece?

Tradicionalmente, al­guns des­por­tos ins­ti­tu­ci­o­na­li­za­dos só ti­ve­ram ca­te­go­ria num dos se­xos. Por exem­plo, no caso da na­ta­çom sin­cro­ni­zada só exis­tia a com­pe­ti­çom fe­mi­nina. É cu­ri­oso ob­ser­var como a in­te­ga­çom de ho­mens nesta dis­ci­plina pas­sou di­re­ta­mente pola fór­mula mista em pa­re­lhas ou em grupos.

O men­ci­o­nado Javier Gil Quintana ex­plica na en­tre­vista no Confidencial que “ho­mens e mu­lhe­res es­tám sem­pre se­pa­ra­dos, e mesmo as­sim nom tem que ser a me­lhor ma­neira. Por exem­plo, há anos que existe na­ta­çom sin­cro­ni­zada mista no Mundial e no Europeu, mas nom nas Olimpíadas. Eles es­tám co­me­çando a per­ce­ber que nom to­dos os des­por­tos de­vem ser se­pa­ra­dos por gé­nero”. Este caso re­sume como es­tám a mu­dar aque­les des­por­tos que ca­re­ciam de liga mas­cu­lina: nom se du­vida da sua ca­pa­ci­dade e pas­sam di­re­ta­mente ao misto.

Sucede o con­trá­rio nos des­por­tos his­to­ri­ca­mente ne­ga­dos às mu­lhe­res (muito mais nu­me­ro­sos do que os ve­da­dos a ho­mens). Em to­dos eles con­si­de­rava-se que as mu­lhe­res nom se­riam ca­pa­zes de jo­gar polo facto de se­rem mu­lhe­res. Isto foi o que di­xé­rom no seu mo­mento a Kathrine Switzer, pri­meira mu­lher a cor­rer a ma­ra­tona de Boston. Naquele mo­mento pen­sava-se que a mu­lher nom po­dia, até que umha de­mons­trou o con­trá­rio. O ho­mem conta com a pre­missa de ser vá­lido, mas nom há ho­mens que quei­ram. Por con­tra, a mu­lher parte da pre­missa de nom poder. 

A se­gre­ga­çom no des­porto tam­pouco tem o mesmo peso para uma ca­te­go­ria que para ou­tra. Lembremos fi­tos po­lé­mi­cos como for­çar al­gu­mas mu­lhe­res cis a fa­ze­rem pro­ces­sa­men­tos para re­du­zir os seus ní­veis de tes­tos­te­rona e po­de­rem com­pe­tir en atle­tismo, ou as pro­vas para de­mons­trar ser mu­lher cis fei­tas às jo­ga­do­ras da se­çom es­ta­tal de fu­te­bol, quando nunca se fixo cousa se­me­lhante aos homens.

Percebe-se umha ten­dên­cia lenta para a re­con­si­de­ra­çom das ca­te­go­rias por se­xos. Esta ten­dên­cia tem es­pe­cial força nas li­gas de base. A elite des­por­tiva nom sem­pre vai pa­re­lha ao que acon­tece na base

Com isto po­de­mos ob­ser­var que a se­gre­ga­çom polo sexo está no de­bate desde há tempo. Com cer­teza, nom de­ve­mos me­nos­pre­zar a trans­fo­bia da­que­las que di­re­ta­mente que­rem ex­cluir da com­pe­ti­çom as pes­soas trans pola sua con­di­çom. Destacar que a pro­ble­má­tica que so­frem pes­soas trans nom é nova é umha forma de apoiar a sua inclusom.

O cu­ri­oso é que, de novo, só fa­la­mos de mu­lhe­res trans no des­porto. Em pro­por­çom, som mui­tos me­nos os ho­mens trans que aca­dam a com­pe­ti­çom ins­ti­tu­ci­o­nal. É claro, pode-se di­zer que é algo me­ra­mente fí­sico, mas se­ria pos­sí­vel que Casillas desse um dis­curso se­me­lhante ao de Megan Rapinoe ao ga­nhar o mun­dial de França?  Perguntar-se isto é umha forma de re­pa­rar em que as li­gas fe­mi­ni­nas se­me­lham mais aber­tas a criar es­pa­ços di­ver­sos que os mas­cu­li­nos. Pode ser pola sua tra­di­çom de man­ter-se em pé e lui­tar pola sua pró­pria exis­tên­cia pe­rante a mi­so­gi­nia im­pe­rante no desporto.

Recapitulando, nom é pos­sí­vel ela­bo­rar umha so­lu­çom para to­dos os des­por­tos. Tampouco po­de­mos reu­nir neste ar­tigo to­das as no­vas pos­si­bi­li­da­des. Porém, per­cebe-se umha ten­dên­cia lenta para a aber­tura e a re­con­si­de­ra­çom das ca­te­go­rias; lenta, mas existe. Esta ten­dên­cia tem es­pe­cial força nas li­gas de base. A elite des­por­tiva nom sem­pre vai pa­re­lha ao que acon­tece na base e se­gu­ra­mente tar­dará muito mais em abrir-se a no­vas fi­lo­so­fias. As mu­dan­ças cai­rám muito pouco a pouco, mas o de­bate che­gou para ficar.

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