
“Dizem que umha mosca soa / ai, que nunca che fai verao” cantou o brindador Antonio Río, mais conhecido como o Ribeira de Louzarela, num jantar organizado em 2009 pola asociaçom ORAL da Galiza e a Central Folque. Nela reuniu-se algum regueifeiro e vários brindadores que como o Antonio, som os últimos cultivadores do brindo do Courel. O brindo e mais a regueifa constituem-se como duas modalidades de poesia oral improvisada, duas caras da mesma moeda da tradiçom oral vinculadas aos cantos de casamento, um germolo incomensurável de diálogo e versos.
Por muitos anos achou-se que o Ribeira de Louzarela e outros improvisadores como Fermín da Feira Nova, Guillermo da Rabadeira, Suso de Xornes ou Antonio de Xornes eram as derradeiras moscas dum verao que estava a piques de rematar. O discurso da perda iminente da improvisaçom oral como tradiçom mantivo-se vigente até há muito pouco, quando nos obradoiros de regueifa organizados pola asociaçom ORAL na contorna de Vigo começou a medrar um maior interesse por esta arte. Após a estela de Pinto d’ Herbón, Josiño da Teixeira, Bieito Lobariñas ou Luís O Caruncho umha cheia de adolescentes de Vigo começam a improvisar em galego nos recreios. Seguiam as ensinanças destes novos repentistas de finais do século XX, vinculados à música tradicional ou mesmo ao bravu, no caso de Herbóm. Depois dos obradoiros oferecia-se, e segue a oferecer-se a cada ano, a participaçom dos centros educativos no Certame Escolar de Regueifas na paroquia viguesa de Valadares. Se o tal certame apresenta-se como ponto de encontro, nom o é menos a aula de improvisaçom que leciona Josiño da Teixeira no Centro de Interpretaçom da Oralidade de Vigo, cuja duraçom é dum curso escolar.
umha cheia de adolescentes de Vigo começam a improvisar em galego nos recreios
O ponto de inflexom para este fenómeno marca-se em 2015 através da criaçom do projeto educativo Regueifesta. Séchu Sende, professor do IES Marco do Cambalhóm de Vila de Cruzes e Manolo Maseda, diretor do IES Maximino Romero de Baio, juntam as suas forças e inquietudes e introduzem a regueifa na escola como valor pedagógico. Apostam na formaçom comunicativa e musical dos jovens através da animaçom sociocultural, fazendo ao alunado consciente das suas propiás capacidades organizativas. Convertem, pois, pessoas de entre 12 e 18 anos em agentes culturais. De aí, o sucesso de projetos paralelos coma “Regueibertso”, que busca um encontro entre Euskal Herria e mais Galiza misturando bertsolarismo e regueifa.
O IES Marco do Cambalhom introduziu a regueifa na escola como valor pedagógico
A isto somamos um importante facto: a posta em funcionamento da matéria de libre configuraçom autonómica de “Regueifa e improvisaçom oral em verso” no IES Marco do Cambalhóm, com Séchu Sende como professor. Nesta matéria o alunado aprende recursos formais, história da improvisaçom e sobretudo achega-se ao mundo cantando dumha aprendizagem significativa. Unindo-se isto aos materiais que se estám a criar para formar a docentes e expandir o projeto observa-se o pulo á participaçom direta e de coresponsabilidade de todos os agentes da comunidade educativa.
Em 2016 vê a luz o fruto dumha longa investigaçom, o livro Repente galego, de Ramon Pinheiro Almuinha, com a análise musicológica de Sergio de la Ossa. Promovido pola asociaçom ORAL, este trata-se da primeira história sobre a improvisaçom oral galega. A palavra repente foi escolhida para denominar a todo o género, ao se constituir como um rótulo que abrange muitas modalidades. Além disto alude a perspetiva da obra oral que se cria e se destrui ao mesmo tempo, aquela que nasce de repente. Da tençó medieval para os torneios poéticos inspirados no slam poetry, passando polos aboios, as cencerradas ou os atranques dos xenerais da Ulha durante o entruido, vai-se sachando num terreno baixo o que se agocham um maior número de sementes do que semelhava num princípio. Pesquisa-se na tradiçom para explicar os porquês da modernidade de numerosos pontos de vista como a retórica (lembre-se que a improvisaçom oral galega é um exercício de retórica epidíctica) a etnografia ou a musicologia. Pom-se de relevo, assim mesmo, a variedade de artes improvisatórias galegas, quase todas elas com umha constante de argumentaçom e comicidade. O libro Repente galego serve, portanto, nom só para tirar luz da informaçom que nunca foi tomada em conta nos estudos dumha Academia pouco preocupada pola tradiçom, senom que também supom umha toma de consciência da riqueza do património oral da Galiza de ontem e hoje.
o livro Repente galego, de Ramon Pinheiro Almuinha é a primeira história da improvisaçom oral galega

Trás esta toma de consciência, de muito diversos ámbitos fôrom abrindo-se novos caminhos nunca antes explorados. O carácter humorístico e de debate que possuía o repente galego no século XX semelhava nom aquecer de todo as arelas expansivas de quem se achegava a estas modalidades no XXI. A inclusom de novas realidades na improvisaçom oral galega era um tema que a falta de comunidade entorno à improvisaçom elidira. A visom destes fenómenos como umha peça de museu anquilosada na tradiçom provocara um imobilismo que parecia difícil de salvar.
Um dos temas mais escurecidos foi sempre o da presença das mulheres na improvisaçom oral. Nom é de estranhar, se se observa umha sociedade profundamente patriarcal como a galega, que as mulheres nom figurassem na cena pública. Trás o salto da regueifa ou o brindo do seu carácter de epitalamio até se constituir num espetáculo em si próprio nos palcos das festas, nom houvo umha mudança nesta realidade. As mulheres improvisavam, pois esse era o jeito de se expressar de toda umha sociedade rural, mais o seu ámbito era o lar, a família, e quase nunca o exterior. Ainda contudo, conhecemos alguns dos seus nomes: Leonarda de Tallo, Sinforosa de Neaño, Hermosinda de Tabuído ou Sara Cundíns. No Courel, na aldeia de Campelo, vive com avançada idade a última brindadora, Angelita de Baño. Angelita é filha de Esperanza Crespo, que a precedeu na arte da improvisaçom de casamento em casamento, pois era cozinheira nelas. Assim, depois do flash cegador dos improvisadores acha-se a luz da vela das improvisadoras, que apesar de esmorecer em muitas ocasions, mantém-se viva até hoje.
Um dos temas mais escurecidos foi sempre o da presença das mulheres na improvisaçom oral
Assim é como no calor da chama das repentistas do século XX medram as novas repentistas no XXI. É nesse momento quando se percebe a força do espertar cara à vida pública das que herdárom a força de regueifeiras, brindadoras, cozinheiras dos casamentos, fiadoras… Escuitárom-se por primeira vez na televisom galega coplas improvisadas que falem de feminismo: “A verdade é que nós/somos todas, ai, artistas/ no século XXI/ a regueifa é feminista”. É neste ponto quando os seus nomes emergem como umha cidade assulagada que se rebela contra os séculos: Lara do Ar, Yolanda das Cereixas, Noa do Capóm, Nuria Penas, Alba María, Sara Marchena, Esther Porrit, Silvinha, Lupe Blanco, Marisa Otero, Branca Trigo… A média de idade destas mulheres nom supera a trintena. A sua vontade de impulsar o género e fazê-lo medrar no futuro através de um discurso feminista sim supera qualquer cálculo e semelha firme.
Esta firmeza materializa-se em 28 de janeiro de 2017, quando se celebra o I Encontro de Mulheres Repentistas da Galiza em Vila de Cruzes. Organizado polo alunado do projeto Regueifesta, o encontro supujo um espaço de diálogo, troca e conhecimento mútuo entre as improvisadoras. Contou-se com um obradoiro de regueifa feminista, umha assembleia e mais umha mostra onde participárom, além das mulheres arriba mencionadas, nomes tam senlheiros como Marisol Manfurada e Josefa de Bastavales. Da mao das improvisadoras o repente galego logra, a partir da sororidade, mudar o tradicional discurso heteropatriarcal e incluir orientaçons que avogam pola diversidade sexual em todas as suas manifestaçons.
Tomam (tomamos) a palavra. E já nunca mais vamos soltá-la. O resto som tarefas pendentes: criar público e novos circuitos onde se desenvolver profissionalmente, educar umha sociedade nada afeita ao erro latente em toda improvisaçom, promover o repentismo como ferramenta de ensino interdisciplinar… Mais os retos, se se cantam, e sobretudo se se cantam coletivamente, som mais levadeiros. Pois hoje as moscas nom estamos soas e construímos o verao com cada palavra das nossas gorjas:
As palavras som as armas
pra que haja outro futuro
e as mulheres que improvisam
usam-nas pra deitar muros.
(…)
Das mulheres regueifeiras
por fim chegou o momento
e imos precisar espaço
pra o nosso empoderamento.
(…)
Passamos a primeiro plano,
Imos-vos falar direito:
da nossa improvisaçom
agora somos sujeito.
(…)
Dirigimos nós os olhos
para nos ver a nós mesmas:
quatro pontos cardinais,
quatro versos de regueifa.
(…)
Umha verdadeira festa
será esta revoluçom
da poética inclusiva
popular a dar o gong.
(…)
A regueifa agora mesmo
de machista é o que mais.
Temos que empoderar-nos:
todas somos samurais!
(Extrato do manifesto da I Assembleia de Mulheres Repentistas da Galiza)