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Transcriçom de umha cançom naxi no sistema de escrita dongba, tirada do quaderno de umha estudante naxi, em julho de 2018.

Escrever com debuxos

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Transcriçom de umha cançom naxi no sistema de escrita dongba, tirada do quaderno de umha estudante naxi, em julho de 2018.
Transcriçom de umha can­çom naxi no sis­tema de es­crita dongba, ti­rada do qua­derno de umha es­tu­dante naxi, em ju­lho de 2018.

Sabemos que a es­crita não é in­trín­seca às lín­guas, mas as nos­sas men­tes as­so­ciam ra­pi­da­mente idi­o­mas e gra­fias. O ou o <ñ> ser­vem como sím­bo­los da nossa po­si­ção frente à lín­gua e re­sulta di­fí­cil ou­vir “árabe”, “hindi” ou “russo” sem pen­sar­mos nos tra­ços, quiçá des­co­nhe­ci­dos para nós, dos seus al­fa­be­tos. Porém, cal­cula-se que a me­tade dos idi­o­mas do mundo não se gra­fá­rom nunca (além de trans­cri­ções es­tran­gei­ras) e mui­tos dos que hoje têm tra­di­ção es­crita pas­sá­rom boa parte da his­tó­ria sem ela. Mesmo as le­tras que for­mam este texto re­pre­sen­tam ape­nas uma parte mí­nima do uso do ga­lego, fun­da­men­tal­mente oral.

O culto à pa­la­vra es­crita das nos­sas so­ci­e­da­des cai como um cas­telo de car­tas ao pen­sar­mos que, de en­tre 50.000 e 100.000 anos que a hu­ma­ni­dade leva ex­pres­sando-se lin­guis­ti­ca­mente, até hai 5.000 não houvo nada que pu­desse con­si­de­rar-se es­cri­tura. Por mi­lé­nios, as pes­soas con­ten­ta­vam-se com o que cha­ma­mos pro­to­es­crita: sis­te­mas li­mi­ta­dos de re­pre­sen­ta­ção sem re­la­ção di­reta com o idi­oma das uten­tes. Algo se­me­lhante ao que po­dem ser hoje os emo­jis do te­le­mó­vel, os si­nais de trân­sito ou os íco­nes das com­pu­ta­do­ras. A his­tó­ria da es­crita tem mais a ver com a arte que com a lín­gua: nas co­vas pa­le­o­lí­ti­cas, as nos­sas an­te­pas­sa­das pin­ta­vam pon­tos so­bre os bi­son­tes e ou­tros ani­mais que in­di­ca­vam tal­vez as me­lho­res tem­po­ra­das de caça.

Até há 5.000 não houvo nada que pu­desse con­si­de­rar-se es­cri­tura. Por mi­lé­nios, as pes­soas con­ten­ta­vam-se com o que cha­ma­mos protoescrita

E, con­tudo, a es­cri­tura nas­ceu, e mais de uma vez. As his­to­ri­a­do­ras con­si­de­ram que apa­re­ceu de ma­neira in­de­pen­dente em polo me­nos qua­tro lu­ga­res dis­tin­tos: Mesopotâmia, Egito, China e Mesoamérica. A grande re­vo­lu­ção que se deu nes­sas ci­vi­li­za­ções veio de pas­sos mui sin­ge­los. Se em su­mé­rio TI sig­ni­fi­cava ‘fle­cha’ e se re­pre­sen­tava com esse de­buxo, bem po­dia uma fle­cha sig­ni­fi­car tam­bém ‘vida’, pro­nun­ci­ado igual. E se mui­tos no­mes pró­prios maias ti­nham a sí­laba ka, por que não usar para re­pre­sentá-la o pic­to­grama da pa­la­vra ka, ‘aleta’?

Aqueles qua­tro sis­te­mas aca­ba­ram por ser a base de cen­tos de ide­o­gra­mas, si­la­bá­rios e al­fa­be­tos uti­li­za­dos ao longo da his­tó­ria. Mas não cai­a­mos no et­no­cen­trismo de Rousseau, que as­se­gu­rava que “o de­buxo dos ob­je­tos cor­res­ponde aos po­vos sel­va­gens, os sig­nos das pa­la­vrase das pro­po­si­ções aos po­vos bár­ba­ros e o al­fa­beto aos po­vos ci­vi­li­za­dos”. Os sis­te­mas al­fa­bé­ti­cos po­dem ser mais fá­ceis de me­mo­ri­zar, mas re­que­rem o uso de mais sig­nos para es­cre­ver e pro­vo­cam pro­ble­mas que des­co­nhece quem grafa sí­la­bas ou pa­la­vras in­tei­ras. E, afi­nal, nós se­gui­mos a es­cre­ver de­bu­xando, por mais que nos custe re­co­nhe­cer um boi no A, um rio no M ou uma ca­beça no R.

Na China, existe ainda uma es­crita na que sim po­de­mos re­co­nhe­cer de­se­nhos. O dongba, usado para a lín­gua naxi, com mais de 1.000 anos de an­ti­gui­dade, é o único sis­tema de es­crita pic­to­grá­fica que so­bre­vive no mundo. Associado à re­li­gião lo­cal, es­tivo a pi­ques de de­sa­pa­re­cer logo da Revolução Cultural, mas com o re­co­nhe­ci­mento do naxi como lín­gua mi­no­ri­tá­ria vive hoje certa re­vi­ta­li­za­ção. E as vi­a­gei­ras que des­co­nhe­cem a lín­gua po­dem ler, como quando ainda não ha­via es­crita, “rio-mon­ta­nha-pás­saro-cunca de arroz”.

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