De todas som bem conhecidas as operaçons com laser (PRK/LASEK, LASIK, Relex SMILE) ou lentes intraoculares para corrigir a miopia, a hipermetropia, o astigmatismo ou, desde há um tempo, a presbicia. Todas elas fam referência ao campo da cirurgia refrativa, à qual se submetiam em 2009 por volta de 250.000 pessoas por ano, cifra desde entom, e segundo dados que manejamos entre tanta opacidade, à baixa.
A cirurgia refrativa é uma cirurgia satisfativa, isto é: sem justificaçom médica. Aliás, nom cura: no melhor dos casos consegue camuflar o defeito de refraçom e muitas vezes só de forma temporária, já que case a metade dos pacientes volta precisar de óculos.
Mas se para além disso disséssemos que tanto a cirurgia laser como as lentes intraoculares som umha ruleta russa muito afastada da panaceia anunciada polo sector privado? E se os pacientes ‑ou melhor dito, clientes- soubessem que mais de 30% vam ter sequelas crónicas disfarçadas sob o eufemismo de efeitos secundários? Com ‘efeitos secundários’ (halos, deslumbramento, olho seco, má visom nocturna, etc.) transferem a ideia de que estes som temporários, quando na realidade som crónicos; corrigíveis, quando som irreversíveis; ou nom limitantes, quando em muitos casos som incapacitantes, como a dor ocular descrita por muitos como “ter agulhas cravadas nos olhos 24 horas ao dia”. O eufemismo da linguagem médico-comercial.
mais de 30% vam ter sequelas crónicas disfarçadas sob o eufemismo de efeitos secundários? Com ‘efeitos secundários’ (halos, deslumbramento, olho seco, má visom nocturna, etc.) transferem a ideia de que estes som temporários, quando na realidade som crónicos
Nos Estados Unidos, mesmo o Dr. Morris Waxler ‑anteriormente chefe de dispositivos oftalmológicos da Agência de Alimentaçom e Medicamentos (FDA)- pediu junto a outros ex-trabalhadores a paralisaçom destas cirurgias ao tempo que denunciava a manipulaçom dos estudos por parte dos fabricantes, a alta incidência de danos a curto e longo prazo e a pressom do Congresso mediada polo lobby médico-industrial para a sua aprovaçom. Pola sua banda, a FDA deu ouvidos surdos a este pedido.
O direito à informaçom do paciente é tam inquestionável como daninho para tam lucrativo negócio, onde a vulneraçom do princípio de autonomia é diretamente proporcional ao benefício económico. Isto foi denunciado recentemente pola organizaçom de consumidores OCU, através dum estudo onde várias colaboradoras se figérom passar por potenciais clientes. As conclusons fôrom claras: nengumha das clínicas visitadas explicou tudo o que pode acontecer. Tanto nas empresas oftalmológicas low cost como nas mais reputadas a lógica é a mesma: a saúde como bem de consumo. Exemplo desta mercantilizaçom foi a prática recolhida no manual de capacitaçom de pessoal de Optical Express, empresa líder no Reino Unido, cuja filtraçom foi publicada por The Guardian: os ‘profissionais’ deviam indicar o perfil psicológico dos pacientes nos seus historiais médicos, com o claro objetivo de assinalar aqueles susceptíveis de serem manipulados para os submeter à operaçom.
O discurso dominante, também assumido por profissionais críticos destas cirurgias, é que o paciente toma umha decisom de forma livre e portanto é responsável polas suas próprias sequelas. Esta afirmaçom está cheia dumha grande carga ideológica, e outorga todo o peso da culpa às vítimas. Cabe assinalar aqui que a decisom nom é livre, partindo da relaçom tramposa entre médico-paciente e o contexto prévio gerado pola indústria e os seus cúmplices necessários. Um contexto de publicidade agressiva e enganosa, e umha informaçom viciada e reforçada pola confiança que o paciente deposita no médico, o poder da bata branca, esquecendo que o que acontece é uma relaçom comercial.
Tanto nas empresas oftalmológicas ‘low cost’ como nas mais reputadas a lógica é a mesma: a saúde como bem de consumo
Precisa-se umha mudança no paradigma médico onde as controvérsias científicas se tornem controvérsias sociais e gerar assim mudanças nas práticas clínicas, sobretudo quando se vem atravessadas por um claro conflito de interesses económicos e polo corporativismo. Pola contra, existe umha atitude reacionária por parte de muitas sociedades científicas e/ou colégios profissionais, habitualmente cruzados polo capital privado e mais preocupados na própria conveniência do que no interesse coletivo da saúde. Alimenta-se assim o analfabetismo sanitário no canto de buscar um paciente proativo. Há que assinalar que na sociedade científica espanhola mais relevante da oftalmologia, a Sociedade Espanhola de Oftalmologia (SEO), quase 80% dos membros da sua Junta Diretiva estám relacionados com o negócio de forma direta ou indireta. Talvez isto explica que o Estado espanhol triplique o número de intervençons por número de habitantes com respeito à média europeia. Na Irlanda, por exemplo, mesmo o Colégio de Oftalmólogos alertou já em 2015 sobre os perigos e a banalizaçom destas cirurgias.
É aqui onde nasce a necessidade do colectivo, que adquire especial importáncia e também dificuldade quando falamos da saúde. A Asociación Española de Afectados por Intervenciones de Cirugía Refractiva (ASACIR), que em pouco mais de um ano contactou com mais de mil afetados, para além de funcionar como umha fonte de informaçom e denúncia pública, também se reiniciou em base à necessidade de apoio mútuo e coletivizaçom dos processos individuais. A maior parte dos afetados nom só tem que afrontar as consequências físicas e psicológicas fruto da intervençom, mas também o negacionismo dos ‘profissionais médicos’ ao estes negarem ou minusvalorizarem as sequelas produzidas pola cirurgia.
O estado espanhol triplica o número de intervençons com respeito à média europeia
Paralelamente à organizaçom das afetadas nasceu o temor destas empresas, chegando a perseguirem aquelas que se atrevem a denunciar de forma pública as suas práticas ou relatar as suas sequelas. Inclusive a própria Associaçom foi chantageada desde altas esferas, com a paralisaçom da procura de ‘tratamentos’ em troca do nosso silêncio. E nem só às afetadas: aqueles que desde dentro se atrevem a assinalarem os problemas inherentes a estas intervençons sofrem umha censura velada. Exemplo disto é o Dr. Rosenthal, referente internacional no campo da oftalmologia, e que aos seus 83 anos denuncia que desde que deu começo a sua posiçom crítica com a cirurgia refrativa começou a ser censurado em revistas oftalmológicas de prestígio. Daqui obtém-se que nom é de admirar que muitos profissionais sejam, por temor a represálias, equidistantes, polo que as plataformas de pacientes afetados e afetadas tenhem que ser também o trampolim necessário que sirva de impulso para os díscolos que se contraponhem aos interesses estritamente privados ou corporativistas; e que almejam, neste mundo dominado pelas cifras, situar o mais elementar dos direitos num primeiro plano: a saúde.