Os maus resultados eleitorais do PCP parecem confirmar o inexorável declínio do outrora poderoso Partido Comunista. Mais umha vez as campás tocam a morto anunciando a desapariçom definitiva do PCP. Porém, o sonho nunca atingido pola PIDE, a velha profecia mil vezes proclamada, de Salazar a Caetano, de Soares a Costa, ainda nom conseguiu fazer-se realidade.
No passado 30 de janeiro Portugal foi às urnas. A convocatória era o desenlace esperado dos desencontros a respeito dos orçamentos entre os partidos que formaram a mal chamada “jerigonça”. A negativa de Bloco de Esquerda e PCP a apoiarem os orçamentos do governo Costa levou à rutura. A nova convocatória configurava um cenário incerto para todos os contendentes. Para o PCP, era umha jogada quase a vida ou morte. O PCP foi apresentado como o grande culpável da queda do governo. Objetivo: erodir a base eleitoral da CDU e levar as comunistas às beiras da sua desapariçom.
Com a perda da metade da sua minguada representaçom, o PCP encontra-se, mais umha vez, num momento crítico. As comunistas atingírom apenas 4,4% do voto e 6 deputados. Lembremos que em 2015 lograram 18 assentos ou que em 1983 contavam com 44 representantes. Para entender a capacidade de resistência do PCP é necessário conhecer alguns aspetos da sua apaixonante e centenária história, que o configuram como o último dos grandes partidos comunistas da Europa ocidental.
Umha história centenária
As peculiaridades do PCP estám presentes desde a mesma fundaçom em 1921. De modo diferente aos partidos surgidos ao abeiro da III Internacional, o PCP nom nasceu dumha cisom do Partido Socialista, senom a partir de grupos anarco-sindicalistas da Federação Maximalista Portuguesa. Apenas contava com um lustro de vida e o partido era ilegalizado no golpe de estado de 1926 e os seus dirigentes enviados para a cadeia. Sem umha militância organizada, as comunistas nom podiam fazer frente aos rigores da luita clandestina à qual se vírom obrigadas polo assédio do Estado Novo. É nesta altura quando emerge a figura de Bento Gonçalves, um operário do Arsenal. O novo secretário geral lidera a reorganizaçom que leva à adoçom do modelo leninista de partido.
As eleiçons legislativas do 30 de janeiro deixárom o PCP num momento crítico. As comunistas atingírom apenas 4,4% do voto e 6 deputados
A nova direçom promoveu a criaçom do órgão do partido, o jornal Avante!, dinamizador da luita operária. O vozeiro do PCP é o jornal do mundo que mais tempo foi editado em condiçons de clandestinidade, de 1931 até 1974. Desmantelar as tipografias do Avante! e as casas clandestinas do partido, liquidar a estrutura de “funcionários” e apanhar os seus quadros e dirigentes convertera-se na obsessom dum Salazar que já elevara o comunismo ao papel de inimigo natural do Estado Novo. Bento Gonçalves e outros dirigentes fôrom levados ao campo de concentraçom do Tarrafal, em Cabo Verde, onde muitos encontrárom a morte.
Vidas clandestinas
O fascismo utilizou todas as armas para neutralizar ao PCP. As longas condenas, as torturas da PIDE, a clandestinidade, a morte… converteram-se em perspetivas vitais para os militantes. No Portugal após o 25 de abril, num reconhecimento que chega até a atualidade, o PCP goza do prestígio de ter sido o único partido que se mantivo ativo durante toda a ditadura. Um dato abonda para explicá-lo: na primeira junta do Comité Central após o 25 de abril, os seus 36 membros somavam 308 anos nas cadeias e 755 na clandestinidade.
O PCP foi fundado em 1921. De modo diferente aos partidos surgidos ao abeiro da III Internacional, nom nasceu dumha cisom do Partido Socialista, senom a partir de grupos anarcosindicalistas da Federação Maximalista Portuguesa
Muitos destes militantes protagonizaram a conhecida reorganizaçom dos anos 40/41, a qual segurou umha continuidade na direçom e nas estruturas clandestinas que converteu o PCP num partido fortemente implantado entre a classe operária. Emerge aqui a figura e a liderança de “Duarte”, pseudónimo de Álvaro Cunhal. Carismático, brilhante intelectual, de fortes convicçons, resistente, foi preso em 1949 passando 8 anos em isolamento. Em 1960, dez dirigentes do partido, entre eles Cunhal, conseguírom fugar-se da inexpugnável fortaleça de Peniche.
Umha das senhas de identidade do PCP é a sua marcada natureza de classe, manifestada na composiçom da sua base militante e na presença de operários nas estruturas de direçom. O outro grupo social em que o partido centrou os seus esforços organizativos foi o vasto proletariado rural dos grandes latifúndios do Alentejo e o Ribatejo. O latifúndio em Portugal configurava umha situaçom de semi-servidume que sumia os trabalhadores numhas condiçons brutais de despossessom, fome e indignidades.
O vínculo soviético
Com a saída de Álvaro Cunhal para a URRS, o PCP segurou umha retaguarda e reforçou o vínculo soviético, que ia ser mantido até os últimos dias da Uniom Soviética. O PCP nom sucumbiu aos cantos de sereia do euro-comunismo nem condenou a intervençom soviética na Checoslovaquia. Na cisom sino-soviética mantivo-se do lado do PCUS.
O partido e o próprio Cunhal luitárom tenazmente contra as tentativas internas de flexibilizar a adscriçom à ortodoxia marxista-leninista. Dos tempos da cisom sino-soviética ao eurocomunismo, da perestroika à quebra da URSS, nos conflitos internos na década de oitenta e noventa, o PCP mantivo-se fiel à sua identidade comunista: a natureza de classe, a base teórica marxista-leninista, o centralismo democrático, umha intervençom orientada à classe operária e o objetivo da destruiçom revolucionária do capitalismo. A natureza de classe do partido manifesta-se numha estrutura organizativa baseada nas células de empresa. Qualquer modificaçom a respeito deste ideário é vista como umha degeneraçom do modelo comunista que tarde ou cedo levaria à desfiguraçom e liquidaçom do partido.
O partido na Revoluçom de Abril
Com Cunhal na secretária geral, o partido entregou-se a um intenso labor organizativo e agitativo para dirigir as luitas contra a ditadura. Cumpria fazer um esforço de clarificaçom ideológica que definisse quais seriam as vias para tirar abaixo o regime e quais os objetivos da revoluçom em Portugal. Rumo à Vitória, o relatório apresentado por Cunhal ao VI Congresso (1965), daria as respostas. Fazia umha definiçom do regime como umha “ditadura terrorista ao serviço dos monopólios e dos latifundiários”, e marcava os objetivos fundamentais da revoluçom: destruiçom do estado fascista e instauraçom dum regime democrático, liquidaçom de monopólios e latifúndios e independência das colónias. A via para o derrube da ditadura deveria ser a combinaçom dumha insurreiçom armada dumha parte do exército e dum levantamento da populaçom.
E assim foi. O 25 de abril de 1974 um sector dos militares organizado no Movimento das Forças Armadas (MFA) derrubou a ditadura. Nom se tratava dum simples golpe de estado, pois a seguir o povo aderiu em massa aos militares para consolidar o triunfo. É aqui quando o partido clandestino de quadros converteu-se à luz do dia num grande partido de massas atingindo aginha os 100.000 militantes. Com a sua disciplinada organizaçom, o PCP foi umhas das principais forças atuantes no processo revolucionário. O seu papel foi chave para liquidar as estruturas da ditadura, vencer as resistências da reacçom para a consolidaçom dum regime democrático e, sobretodo, para fazer avançar a revoluçom cara a objetivos que abalassem as bases de apoio da ditadura, os monopólios e os latifúndios.
As comunistas figérom parte dos sucessivos governos provisórios, mas aginha compreendérom que, nom existindo um poder revolucionário no Estado, a chave para avançar era manter a Aliança Povo-MFA, é dizer, a actuaçom conjunta dos militares revolucionários e as massas populares. No irregular e contraditório processo revolucionário, durante um tempo a balança pareceu cair em favor dos partidários de construir o socialismo em Portugal. Os monopólios fôrom expropriados, os grandes sectores da economia, incluída a banca, nacionalizados, instaurou-se o controle operário nas fábricas, as colónias obtivérom a independência e as massas proletárias do Alentejo e o Ribatejo lançaram-se à liquidaçom do odioso latifúndio. Nom foi apenas umha mudança da forma política de dominaçom: a base económica de Portugal foi profundamente alterada.
A partir das eleiçons de abril de 1975, a correlaçom de forças começou a virar a favor dos sectores do MFA e dos partidos favoráveis à estabilizaçom do processo revolucionário. A medida que se faziam mais profundas as divisons e os conflitos entre os distintos contendentes, aumentavam os choques e os incidentes armados. A situaçom foi-se deteriorando no chamado “verao quente”, a vaga de atentados fascistas e assaltos às sedes do PCP. Naquelas intensas jornadas o país viveu às beiras da guerra civil.
A agudizaçom da crise político-militar acabou por atingir e dividir os principais órgãos de poder político-militar, o MFA e o Conselho da Revoluçom. Com a viragem dos militares “moderados” e a sua aliança com a direita militar, o PS de Soares, o PPD e o CDS, foi-se configurando umha frente contrária para liquidar o poder e a influência da Esquerda militar, do PCP e do V governo provisório. A revoluçom portuguesa na perspetiva do socialismo estava ferida de morte.
Na estela do 25 de novembro
No relato oficial sobre os acontecimentos do 25 de novembro paira a ideia-força segundo a qual o PCP intentou tomar o poder pola força. Para as comunistas foi apenas o desenlace final dumha cuidada planificaçom dos “moderados” e da direita encaminhada, mediante a provocaçom e o choque com a estrema esquerda, a justificar um golpe de força que leva-se à liquidaçom do poder da Esquerda militar e a influência do PCP, para assim travar o empurre revolucionário. Porém, Cunhal sempre fora consciente de que a NATO nom ia permitir que em plena guerra fria um país do bloco ocidental se convertesse numha Cuba europeia. Talvez, a estrema esquerda portuguesa teria razom ao afirmar que nem Cunhal nem o PCP quigeram fazer nunca umha revoluçom comunista em Portugal. O PCP teria-se conformado com um regime democrático, de profundo conteúdo social e com umha economia mixta regulada polo estado. A partir de entom, o PCP centrou os seus esforços em conservar as conquistas de abril e defendê-las antes as sucessivas ofensivas da direita e do PS. Para isto, o partido consolidou a sua poderosa estrutura organizativa ampliando ainda mais a base militante, a dum grande coletivo partidário.
Após o 25 de Novembro, o PCP centrou os seus esforços em conservar as conquistas de abril e defendê-las ante as ofensivas da direita e do PS. Para O partido consolidou a sua estrutura organizativa
Quando a URSS abalava e os partidos comunistas desapareciam ou se transfiguravam, o PCP compreendeu que nom ganharia apoios doutras classes sociais abandonando a sua estreita vinculaçom com a classe operária industrial e o proletariado rural. E decidiu permanecer fiel aos seus tradicionais apoios… justo no momento em que as políticas de desindustrializaçom da UE e a PAC provocavam o devalo da industria portuguesa e a agricultura no Alentejo com as suas sequelas de emigraçom e abandono. A base eleitoral do PCP vai ficando assim cada vez mais envelhecida e enfraquecida, reduzida aos distritos do sul.
A última luita
Para quem conhecer as paisagens do Alentejo serám-lhe familiares as suas centenárias azinheiras. Abrasadas polo sol e mil vezes descortiçadas, algumhas parecem cair aos pedaços, com as raízes de fora, quase que rotas. Porém, essas velhas azinheiras que viram cair o latifúndio da servidume e a fome, pola força de homens e mulheres sem propriedades, alçados do chao, continuam de pé, fortemente ligadas à terra das planícies alentejanas. Essa semelha ser a imagem do PCP, a dumha azinheira centenária, indestrutível, envelhecida e retorcida, elemento insubstituível da paisagem que com as suas ramas estordegadas intenta parar o vento adverso da história. Mais por muito que por toda a parte se anuncie a enésima morte do velho partido, os militantes comunistas voltarám à tarefa.