Periódico galego de informaçom crítica

Cinismo torturador

por
carla trin­dade

Lia no NOVAS DA GALIZA nº153 uma en­tre­vista com Carmen Castro, mãe de Diego Viña e ati­vista de ‘Nais con­tra a im­pu­ni­dade’. Nela con­tava-se como tanto Carmen Castro como ou­tras mu­lhe­res fo­ram con­de­na­das por pe­dir jus­tiça pela morte de Diego e pro­tes­tar con­tra a atu­a­ção da Guarda Civil en­quanto eram res­pon­sá­veis do moço, como de­tido e nos seus ca­la­bou­ços, no mo­mento da sua morte. Parece que não con­se­gui­ram da jus­tiça que in­ves­ti­gasse so­bre a morte do moço e as­si­na­la­vam tor­tura e as­sas­si­nato. Penso que se houve tor­tura ne­ces­sa­ri­a­mente a morte terá que ser qua­li­fi­cada como as­sas­si­nato, sus­peita de mais como para que, a fim de ex­cluir essa qua­li­fi­ca­ção, a pri­meira in­te­res­sada fosse a pró­pria Guarda Civil em es­cla­re­cer os fei­tos. Mas pa­rece que não houve in­te­resse no es­cla­re­ci­mento nem por parte do corpo ar­mado nem da pró­pria jus­tiça. E tanto fa­mi­li­a­res como ami­gos e mem­bros da as­so­ci­a­ção ‘Nais con­tra a im­pu­ni­dade’ in­sis­tem na exis­tên­cia de tor­tu­ras e em so­li­ci­tar jus­tiça que, de tra­mi­tar-se, po­de­ria ex­cluir ou não essa circunstância. 

Alguém pode dizer que não se tortura em Espanha em centros de detenção, de internamento, de prisão, de menores, em plena rua?


Aqui vem o do ci­nismo com que in­ti­tulo este ar­tigo: con­de­nar uma pes­soa por as­se­gu­rar que neste reino cha­mado Espanha se tor­tura é con­de­nar o que diz a ONU, a Comissão de Direitos Humanos, o Conselho de Europa e to­dos os or­ga­nis­mos na­ci­o­nais e in­ter­na­ci­o­nais re­la­ci­o­na­dos com a tor­tura. O tema se­me­lha não ter so­lu­ção no Estado es­pa­nhol e ano trás ano Amnistia Internacional in­clui-no no lis­tado de paí­ses onde se per­pe­tuam este tipo de práticas.
Façamos algo de his­tó­ria. No ano 1989 o Reino de Espanha as­si­nou o ‘Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos’, a ‘Convenção con­tra a Tortura e ou­tros Tratos e Penas Cruéis, Inumanas ou Degradantes’ no seio da ONU e, em soma, a ‘Convenção Europeia so­bre Prevenção da Tortura e ou­tros Tratos ou Penas Inumanas ou de­gra­dan­tes’ na UE. Dado o jeito em que os di­ver­sos go­ver­nos do Estado (in)cumprem os com­pro­mis­sos não es­tra­nhará que anu­al­mente este re­ce­besse ad­ver­tên­cias da ONU e re­pri­men­das do Conselho de Europa e quei­xas de ONG’s e Observatórios de Direitos Humanos por apre­ciar a pre­sen­cia de ca­sos de tor­tura vul­ne­rando o pactuado.
O Relator Especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU, Teo Van Boven, num Informe do ano 2003, em re­fe­rên­cia ao Estado es­pa­nhol como in­cum­pri­dor, ma­ni­fes­tava que ainda que em cir­cuns­tân­cias es­pe­ci­a­lís­si­mas pu­desse con­ce­der-se aos go­ver­nos um certo grau de dis­cri­ci­o­na­li­dade (pelo pro­blema da ETA), “a mar­gem de apre­ci­a­ção ou dis­cri­ção é im­pos­sí­vel quando se tra­tar de um di­reito im­pe­ra­tivo como a proi­bi­ção da tor­tura ou dos tra­tos cruéis, inu­ma­nos ou de­gra­dan­tes”. O re­la­tor ainda acres­cen­tava que teve co­nhe­ci­mento de que pes­soas ou ONG’s que de­nun­ci­a­ram ca­sos deste tipo fo­ram per­se­gui­dos e pos­te­ri­or­mente acu­sa­dos de fa­zer apo­lo­gia de ETA e que ad­ver­tiu re­ti­cen­cias polo Governo para dis­cu­tir as in­ci­dên­cias ou ex­ten­são da prá­tica da tortura.
Noutro Informe do Relator Especial, neste caso de 2009, ma­ni­festa-se que “a prá­tica de tor­tu­ras ou tra­tos cruéis, inu­ma­nos ou de­gra­dan­tes con­ti­nuam ocor­rendo em Espanha de jeito mais que es­po­rá­dico ou aci­den­tal”. No ano 2013, o ‘Comité Europeu para a Prevenção da Tortura’ re­cla­mou-lhe ao Reino de Espanha “uma ação de­ci­dida das suas au­to­ri­da­des para abor­dar os maus tra­tos por parte da Guarda Civil” de­pois de to­par “bol­sas”, paus e ba­tes de ba­se­bol em sa­las de interrogatórios. 

Ano trás ano Amnistia Internacional inclui o Estado espanhol no listado de países em que se pratica a tortura

No Informe do ano 2012, Amnistia Internacional, as­se­gu­rava que “em Espanha a tor­tura se­gue a ser um pro­blema e o pro­blema é que não se re­co­nhece como pro­blema”. O Informe do ‘Instituto da Direitos Humanos de Catalunya’ de 2013 ex­pressa que “a ques­tão da tor­tura em Espanha ra­dica não no feito de que se­jam sis­te­má­ti­cas, se­não em que o sis­tema acabe per­mi­tindo que se deem este tipo de si­tu­a­ções”. Em 2014, a ‘Coordenadora Para Prevenção e de­nún­cia da Tortura’ (CPDT) no seu Informe anual, re­co­lhe 352 si­tu­a­ções de agres­sões ou maus tra­tos no ano 2013 e que afe­ta­ram a 527 pes­soas (em de­pen­dên­cias po­li­ci­ais e cen­tros de aco­lhida) e que en­tre os anos 2001 e 2012 apre­sen­ta­ram-se 6.621 de­nun­cias por maus tra­tos e houve 833 mor­tos “baixo custódia”.
A ONU, em 12 de no­vem­bro de 2014, pede ex­pli­ca­ções ao Estado es­pa­nhol so­bre a le­gis­la­ção de Direitos Humanos pre­sen­tes nas re­for­mas do Código pe­nal e na pro­mul­ga­ção da Lei de Segurança Cidadã e al­gu­mas prá­ti­cas que po­dem le­var apa­re­lha­das tor­tu­ras por parte da po­lí­cia. A ‘Organização Mundial con­tra a Tortura’ re­mete em 13 de fe­ve­reiro de 2015 uma carta aos Comissários da União Europeia con­si­de­rando uma ame­aça para os di­rei­tos de reu­nião, ma­ni­fes­ta­ção e asilo a Lei Orgânica de Seguridade Cidadã es­pa­nhola. Em 2015, a ‘Fundación Abogacía Española’ do ‘Consejo General de la Abogacía Española’, aborda no seu I Congresso Anual de Direitos Humanos mo­no­gra­fi­ca­mente o tema da pre­ven­ção de maus tra­tos e tor­tura e in­clu­sive pu­blica uma ‘Guia Práctica para la Abogacía’ onde acon­se­lha pau­tas a se­guir po­los ad­vo­ga­dos no seu atuar pro­fis­si­o­nal fronte a este tipo de situações.
Amnistia Internacional no seu Informe cor­res­pon­dente a 2016 de­nun­cia no­vos ca­sos de tor­tura e maus tra­tos in­frin­gi­dos pelo fun­ci­o­na­ri­ado, de­nun­cias que em vá­rios ca­sos não se in­ves­ti­ga­ram com efi­cá­cia e exaus­ti­vi­dade. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em maio do 2016, re­sol­veu uma vez mais que Espanha vi­o­lava a proi­bi­ção de tor­tura e ou­tros maus tra­tos ao não in­ves­ti­gar de jeito efi­caz e exaus­tivo a tor­tura in­frin­gida a pes­soas de­ti­das em re­gime de in­co­mu­ni­ca­ção; era a sé­tima sen­tença di­tada con­tra Espanha por esta causa.

Condenar uma pessoa por assegurar que neste reino chamado Espanha se tortura é condenar o que diz a ONU

Todas es­tas re­so­lu­ções têm de­trás pes­soas con­cre­tas vi­o­la­das, tor­tu­ra­das, sub­me­ti­das a tra­tos de­gra­dan­tes e até al­gu­mas mor­tas. Alguém pode di­zer que não se tor­tura em Espanha em cen­tros de de­ten­ção, de in­ter­na­mento, de pri­são, de me­no­res, em plena rua? Ao me­lhor é certo o que ma­ni­fes­tou Laureano Oubiña ao sair do cár­cere de que as pri­sões som um Estado den­tro do Estado; a pre­po­tên­cia dos di­re­to­res chega a ne­gar-lhes a par­la­men­ta­res ga­le­gas au­to­ri­za­ção para vi­si­tar ca­deias ga­le­gas onde se sus­peita que se in­frin­gem di­rei­tos hu­ma­nos; ou o iso­la­mento e ca­cheio des­pido de um in­de­pen­den­tista ga­lego numa cár­cere de Valladolid. Deprecio to­tal aos mo­dos es­ta­be­le­ci­dos polo ‘Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura’, pre­visto no Protocolo Facultativo da ONU de 2002, ins­tru­mento sem pre­ce­den­tes no âm­bito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas que em Espanha ca­rece de efi­cá­cia pela sua de­pen­dên­cia do governo.

Lamento Carmen, mas ainda po­dia ser pior. Já vês, se­gundo o Relator da ONU pes­soas que de­nun­ci­a­ram tor­tu­ras fo­ram per­se­gui­das e mesmo acu­sa­das de co­la­bo­ra­ção com ETA. Só quero di­zer-te a grande in­jus­tiça que pa­de­ces. A luta para con­se­guir que exis­tam câ­ma­ras de vi­gi­lân­cia ou gra­va­ção nas Salas de in­ter­ro­ga­tó­rios até agora é luta per­dida. Se por parte das for­ças re­pres­si­vas hou­vesse in­te­resse em trans­pa­rên­cia do seu pro­ce­der, se­riam os pri­mei­ros em so­li­ci­tar es­sas câmaras.

O último de Panóptico

Ir Acima