
“Desde o caseto da Clara Corbelhe, nasce esta revista. Promíscua. Comunal. Autónoma. Para com o‑construir ferramentas de conhecimento, análise e intervenção desde um lugar de enunciação que, suspeitamos, temos de erguer”. Assim começa o editorial do Espaço Clara Corbelhe, umha revista que é algo mais do que isso. Conformada por quase trinta persoas que venhen de diversos ámbitos, quere traer á palestra “polémicas enriquecedoras” que nos fagan pensar. Falamos com Antom Santos, doutor em história e colaborador em vários meios sobre o soberanismo, que nos fala em nome do projeto porque assim “vam rotando às caras que falam em nome da revista”.
Como nasce o Espaço Clara Corbelhe?
A ideia nasce dum grupo de gente que tem um vínculo com o trabalho intelectual —de maneira profissional ou nom profissional, pero que está cara aí focada a sua atividade— e cos movimentos sociais da Galiza, e que entrava em contacto através da ideia partilhada de criar um projeto de produçom teórica. Porque vimos que existia a carência dumha revista especializada nesse campo, que combinasse o espaço que vai entre a militância e a investigaçom —académica ou nom—. Dessa carência saírom umha série de encontros que começárom na etapa do vírus, no ano 2020, e fôrom frutificando num processo longo até que o projeto se constituiu formalmente e saiu à luz no passado setembro.
E qual é a ideia detrás dele?
Fundamentalmente há dous aspetos. O primeiro é o que che comentava antes, o facto de que existe um baleiro —nom de pensamento crítico galego emancipatório porque pensamento há muito— mas sim dum espaço que lhe confira estrutura e sistematicidade. E segundo, a consciência de que há um espaço misto entre a investigaçom e os movimentos sociais que pode chegar a convergir num espaço como este —por isso se chama “espaço” e nom exclusivamente “revista”—. O Conselho de Redaçom compreende um grupo de gente bastante nova em termos intelectuais —a maioria estám entre os 40 e os 20 e pico— que fai trabalho investigador na Galiza ou na emigraçom. Por outra parte, a revista conta com um Conselho Editorial, conformado por gente de trajetórias intelectuais muito diversas, algumhas muito consolidadas.
Para aquelas pessoas que quiçais ainda nom a conhecem, quem era Clara Corbelhe e por que lhe pugestes o seu nome a este projeto?
Clara Corbelhe era umha mulher que foi vítima de abusos na Galiza rural —na Terra Chá—, cujo nome aparece mencionado nos estudos sobre esta comarca do historiador José Maria Cardesín. É a representaçom dumha figura típica na nossa sociedade tradicional chamada a Caseteira, umha figura feminina que representava o mais oprimido na escala social, porque misturava várias opressons nunha: sofria a opressom própria do seu género, carecia de propriedades, trabalhava para outros e tinha que aturar também outra opressom de tipo cultural, porque em grande parte dos casos eram mulheres fora da estrutura familiar tradicional. E Clara Corbelhe foi umha mulher caseteira que, dum modo muito valente na sua época, se revelou contra umha agressom sexual e luitou polo reconhecimento da paternidade da sua criança, porque o home nom a reconhecia. Pareceu-nos um símbolo interessante para reivindicar a voz dos despossuídos, neste caso das despossuídas, e é umha figura pouco conhecida na sociedade rural tradicional, na Galiza de onte.

Por que escolhestes ‘poder e colonialismos’ como primeiro tema?
As coordenadas da revista, como já explicamos no manifesto fundacional, som soberanistas e independentistas. Por umha parte, pensamos que era fundamental para entendernos como sociedade a relaçom que mantem a Galiza com o estado espanhol. Por outra, entender que a despossessom da Galiza non é só político-institucional, senom que também é umha despossessom territorial, cultural, simbólica, de memoria, ambiental, de conhecimento. O que quigemos entom é fazer umha abordagem transversal a todo isso: analisar de que jeito estamos inseridos e inseridas de maneira subordinada no estado espanhol, e como isso ten atravessado distintas facetas da nossa existência coletiva.
Aproveito para mencionar que esta visión rural e transversal também creio que reflete umha parte muito interessante do nosso espaço, que nom é comum no nosso país. Isto é interessante. Nas origens deste projeto, eu levei a grata impressom de estar reunido com gente que nem tam sequer conhecia pessoalmente, com quem nom compartia militância e com quem que moitas vezes nom partilho pontos de vista concretos —além de partilhar o genérico, que é o interesse por umha crítica emancipatória—. Entom, é curioso que sejamos capazes de pôr a andar um espaço onde a nossa coesom se baseia na assunçom prévia de que há tensons, choques dialéticos e diferenças intelectuais. Pensamos que isto pode ser muito enriquecedor. Porque na Galiza, como mencionávamos nalgum dos nossos textos, os espaços intelectuais adoitam ser compartimentos estanques que funcionam muito mais com base em lealdades de grupo, que na vontade de aprofundar nas ideias e na polémica que nos entendemos como sá. Polémica dura, pero saudável.
A quem diriades que está dirigida, a que tipo de público?
Nom pensamos num sector de público determinado. Se pretendemos que o pensamento seja realmente crítico e emancipador, tem que ser pensado como umha ferramenta para o conjunto da sociedade —ou polo menos para todas aquelas pessoas interessadas em transformar às cousas num sentido de avanço, ou em conservar do que vem de atrás aquilo que merece ser conservado nas nossas tradiçons de luita—. Precisamente, esse entrecruzamento entre o académico, entre a gente que trabalha na instituiçom e gente que estamos à margem, gente que tem umha militância mais ativa e gente que nom a tem no aspeto organizativo, pois obedece a esta mesma ideia de que o pensamento empape toda a gente e seja partilhado por todo o mundo. Se isto nom fosse asim, perpetuaria-se o mesmo reducionismo de sempre: vê-lo como umha atividade de gente hiperespecializada para um público hiperespecializado. E isso é do que queremos fugir. Sabendo que nom é doado porque, às vezes, a investigaçom requer umha bagagem, um tempo e a utilizaçom dumha terminologia muito específica que podem funcionar como barreira para leitoras que, por exemplo, vivem escravizadas polo seu trabalho e pola precariedade. Mas este é um obstáculo que pretendemos salvar. E daí de facto a alusom a Clara Corbelhe.
“Se pretendemos que o pensamento seja realmente crítico e emancipador, tem que pensar-se como umha ferramenta para o conjunto da sociedade”
A revista tem um tema monográfico anual. Sabedes já que temas trataredes nos seguintes anos?
O Conselho de Redaçom reuniu-se há pouco para pôr sobre a mesa várias ideias a este respeito, mas nom podemos ainda revelá-las. O nosso método é trabalhar estrategicamente, com muita profundidade, um tema de ano em ano, e conciliar isso com reflexons coladas à atualidade através do espaço virtual. Ou seja, uns contidos mais lentos e outros que sigam mais os ritmos do dia a dia. Ainda nom podo revelar de que irá o seguinte número, pero sim gostaria de dizer que nos surpreendeu de maneira bastante grata o apoio que recebemos em forma de susbcriçons solidárias, seguimento dos artigos na página web, e em funçom de polémicas enriquecedoras que nós mesmas geramos e que outra gente seguiu —no bom sentido—. Estamos mui contentes com todo isto a que demos lugar nestes poucos meses.
Nós no texto manifesto introdutório já revelamos que queremos ser o germolo duns estudos emancipatórios galegos e nom há um formato em que fechar-se. Digamos que a revista é o emblema, pero todas aquelas possibilidades de transmitir pensamentos —seja em formato oral, debate físico ou de jeito audiovisual— queremos explorá-los em funçom dos meios e da capacidade que tenhamos como projeto. E do apoio da comunidade leitora, claro.