Ante a evidência de que ser homem, ou ser socialmente percebido como homem, situa a pessoa numha situaçom de poder a respeito das mulheres e das sexualidades nom normativas, estám a aparecer aos poucos grupos de homens que procuram questionar os privilégios que a sociedade lhes outorga polo facto de serem varons. Como combater o modelo hegemónico de masculinidade sendo homem é um interrogante que enfrentam estes grupos e outros ativistas na necessidade de rematar com a violência machista.
O grupo de homens atualmente ativo com umha maior trajetória é o de Micromachinhos. Micromachinhos nasceu em Compostela em 2012 a partir de um obradoiro organizado pola Candidatura do Povo na livraria de mulheres Lila de Lilith. Depois de esta experiência, que durou quatro fins de semana, nasceu a ideia de que os homens participantes desse obradoiro continuassem a ver-se e se constituíssem como grupo. A atividade na Lila de Lilith estivo facilitada por José Expósito ‘Expo’, atualmente integrante dos Micromachinhos, quem contava com anos de experiência como técnico de igualdade, mas que até esse momento nunca se lhe apresentara a oportunidade de trabalhar só com homens.
Da sua experiência de trabalho Expo reflete que “antes havia mais recursos para a igualdade mas as atividades para homens fracassavam e agora acontece ao revês, há menos recursos e mais interesse pola atividade dirigida aos homens”. Pensando nos motivos desta situaçom, Expo indica que a crise atual coloca o homem numha situaçom de desconcerto que o fai procurar respostas sobre o fracasso das relaçons. “E isto tem um ponto perigoso: pode haver homens consciencializados, mas o desconcerto pode circular contra a igualdade e criar indivíduos reacionários”, acrescenta.
“É impressionante ver como a questom de género nos grupos ativistas sempre foi ficando atrás”
Expo relata que também tivera experiência num grupo de homens nos seus anos de universidade e ativismo juvenil. “A militância movia-se através do produtivismo, da reaçom, da competência… e isso também estava presente nos grupos de homens nos quais participara. Ademais isto fazia-se tendo muitas outras reunions e ativismos, o que provocava que este espaço ficasse relegado em comparaçom com outros”, lembra Expo. “É impressionante ver como a questom de género nos grupos ativistas sempre foi ficando atrás, apesar de todo o trabalho que desenvolvérom as mulheres e as mudanças que provocárom”, acrescenta.
Dúvidas com a visibilidade
Os Micromachinhos reunem-se umha vez ao mês e funcionam como um grupo de apoio. Realizam trabalho interno, em cada sessom fala-se de um tema que pode ter sido acordado previamente ou aparecer de umha vivência pessoal. “Trabalhamos da nossa experiência própria, sem julgar e baixo o princípio de confidencialidade”, exponhem.
“O feito de falar com outros homens sem agressividade é já umha mudança grande. Estava acostumado a que nos encontros grupais com homens houvesse bastante agressividade”, expóm Óscar Senra, integrante dos Micromachinhos desde os seus começos. Entre as aprendizagens principais de todos estes anos de trajetória, Óscar assinala a aprendizagem de nom julgar. Pola sua banda, Expo salienta a importância do apoio mútuo e iniciar o caminho para aprender a cuidar-se.
Nos últimos anos, Micromachinhos está a desenvolver atividades para homens em colaboraçom com o concelho de Compostela. Óscar indica que, se bem esse trabalho está a dar certo impulso ao grupo, “o problema é que dificulta dar-lhe continuidade ao trabalho interno que tínhamos antes. As reunions agora som mais bem executivas para organizar estas atividades”. Expo salienta que os meios convencionais favorecem o discurso masculino, polo que considera necessária a prudência à hora de publicitar as atividades sem restar protagonismo à luita das mulheres.
Melhorando em Ponte Areias
“Os privilégios masculinos som muitos e transversais, da própria linguagem sexista às diferentes condiçons de trabalho ou reparto das tarefas domésticas”
Em Outubro de 2015, os salvadorenhos Rutilio Delgado e Walberto Tejeda facilitárom um obradoiro em Compostela que levava por título Desvendando as masculinidades hegemónicas. Estes homens levam anos trabalhando em Centro América em estratégias de intervençom com homens de umha perspetiva profeminista. Daquele encontro nasceŕom cumplicidades nom só em Compostela mas também muito mais o sul: na vila de Ponte Areias. Neste lugar vem de conformar-se o grupo de masculinidades MellorAndo.
Se bem o encontro em Compostela pudo ser um ponto de inflexom para a criaçom deste grupo, Ponte Areias é umha zona com umha forte presença de ativismo feminista sem o qual nom se explicaria esta toma de consciência por parte de alguns homens da vila. Organizaçons como o Círculo de Debate Feminista, o FestiVal das Brétemas ou a Assembleia de Mulheres do Condado figérom que o discurso e a atividade feminista estivesse presente nesta zona.
Na procura dos privilégios
“Os modelos hegemónicos exercem umha influência abrumadora em crianças e adultas. Se te desvias da norma és objeto de burla”
MellorAndo leva apenas uns meses de andamento e reúne-se periodicamente para debater, entre outras questons, sobre os privilégios próprios da masculinidade. Deste jeito, tenhem detetado que “som muitos e transversais, da própria linguagem sexista às diferentes condiçons de trabalho ou reparto das tarefas domésticas”. Porém, há um deles que é o que com mais frequência aparece nos seus debates: “é o facto de nom sermos os homens vítimas diretas de umha ‘cultura da violaçom’ que fai que as mulheres vivam baixo a ameaça constante à sua integridade física e psíquica”.
Para ir desativando esses privilégios detetados, MellorAndo considera fundamental o trabalho nas escolas e nos liceus, “mas também fomentar os cuidados em todos os estratos da sociedade”, assim como “pôr em valor atitudes, pessoas, experiências ou iniciativas que tenham implicado uma mudança de paradigma contra a sociedade heteropatriarcal, racista, capitalista e destrutora do meio ambiente”.
De MellorAndo exponhem também as vantagens e desvantagens de se organizar numha vila como Ponte Areias. O seu carater semiurbano “favorece que na vila haja umha maior pluralidade de sentires e fai possível que agromem com certa facilidade movimentos sociais. Por outra banda, também se cria certa centralizaçom na vila e umha desconexom com zonas mais periféricas”, exponhem. Tendo em conta também a realidade semirrural da vila, isto “favorece conhecermo-nos melhor, procurar contatos, partilhar amizades… Mas também dificulta o deslocamento entre os companheiros das zonas mais rurais e o centro da vila ou o acesso a certas instalaçons em que organizar atividades ou reunirmo-nos”, refletem desde MellorAndo.
Estereótipos nas aulas
Lontra define-se como ativista de género e tem participado na facilitaçom de obradoiros sobre sexualidade em liceus. Umha atividade nestes obradoiros era pedir aos adolescentes que desenhassem num papel o que para eles era um homem, umha mulher e umha pessoa intersexual. Nesta dinâmica, os homens apareciam despidos, musculados, com barba, um pene grande e com atributos como força ou virilidade; as mulheres fôrom desenhadas com peitos grandes, figuras delicadas, olhos grandes e nunca despida; e ao plasmar num papel a intersexualidade apareciam figuras monstruosas. “Reproduziam perfeitamente os modelos dominantes e mostravam um desconhecimento total de todo o que há entre o polo masculino e o feminino”, reflete Lontra da sua experiência.
“Os modelos hegemónicos exercem umha influência abrumadora em crianças e adultas. Se te desvias da norma és objeto de burla e vam-te corrigir no teu grupo de iguais, os teus pais, as instituiçons…”, explica Lontra, quem também opina que a própria estrutura dos liceus e dos colégios geram estes referentes hegemónicos, por exemplo, com a existência de casas de banho segregadas por sexo.
A experiência de Lontra expom que o machismo continua enraizado nas crianças e adolescentes. “Está a haver certo movimento, mas há umha dupla moral”, acha Lontra. “A dia de hoje sabemos o que é o machismo e as crianças também o sabem, mas os comportamentos dependem de quem esteja diante. Quando só estavam os rapazes, era mais evidente o jogo da masculinidade: jogava-se de forma mais bruta, falava-se mais de sexo, a ver quem soltava a maior barbaridade… Porém, no grupo misto moderavam-se”. Também a homofobia continua presente nas aulas e percebeu-se de jeito mui evidente numha dinâmica em que os rapazes evitavam o contato com o único rapaz com umha sexualidade nom normativa.
Quais ferramentas se poderiam utilizar para rematar com a reproduçom destas violências? “O principal acho seria visibilizar e criar referentes adultos nom normativos, com a presença de professorado gai, lésbico ou trans. É necessário pôr em valor o desviado”, indica Lontra. A enumeraçom de atividades para a possível transformaçom aumenta com iniciativas como criar banhos unisex, empregar umha linguagem inclusiva que rache com o binómio homem-mulher ou com o apoio e reforço às moças. “O ideal seria que cada centro educativo se parasse a analisar qual é a ideologia de género que está a reproduzir e desse passos para a reformular”, reflete Lontra.
Masculinidades e feminismo
Sem todo o trabalho realizado durante décadas por parte do movimento feminista, os incipientes e escassos grupos de homens nom teriam existido. Porém, a sua relaçom com o feminismo é mais complexa. Assim, os Micromachinhos nom se consideram parte de movimento nengum, se bem tenhem acordado que a teoria feminista é o seu marco de referência e todas as mulheres que participárom facilitando obradoiros som feministas. “Este tipo de grupos nascem pola influência das nossas companheiras e polo sentido de justiça que há dentro de alguns homens, que fai que procuremos outra maneira de relacionarmo-nos entre homens e mulheres”, reflete Expo. Óscar também salienta que “no grupo encontra-se representado maioritariamente o varom heterossexual” e que tampouco existe um contato com o movimento LGTB. “Falta-nos porosidade”, pensa Óscar.
MellorAndo tem claro que o seu nascimento se deve em boa medida à presença do feminismo na sua comarca. “Pretendemos somar forças com os grupos ativos na vila, como o Círculo Feminista de Ponte Areias ou o FestiVal das Brétemas”, indicam. Assim, aguardam trabalhar com o Círculo Feminista num obradoiro sobre os mitos do amor romântico.
Visom do feminismo
As integrantes do conselho de redaçom da revista feminista Revirada antes de respostar a pergunta de qual pode ser a colaboraçom dos grupos de homens com o movimento lembram que existem muitas maneiras de entender e expressar o feminismo. Na corrente que a entende como um movimento para a igualdade de género, este coletivo entende que a relaçom entre os homens e o feminismo “é entendida como uma aliança construída no trabalho para a igualdade”.
Porém, as ativistas da Revirada entendem o feminismo como “umha teoria política, umha ferramenta de análise e um movimento para a justiça social de género, para combater a opressom sistémica e institucional, que afeta todas as pessoas, e mais desproporcionalmente os grupos marginalizados pola sociedade, com foco principal nas mulheres e as pessoas nom binárias”. Nesta forma de entender o feminismo, encontram que os grupos auto-organizados de homens podem ter um papel no desmantelamento dos sistemas de opressom “seguindo a liderança daquelas que nom partilham a sua identidade de género e incorporando a prática feminista na sua vida diária”. Isto significaria cousas tam básicas como “realizar tarefas de cuidados nas atividades do movimento, sentar atrás nos espaços feministas, ouvir ativamente as propostas das companheiras, pensar e pôr em prática maneiras produtivas para reconhecer e desafiar os seus privilégios, sempre tendo como referências as desigualdades de género da nossa sociedade”, refletem do conselho de redaçom da Revirada.
Perante a questom de se um homem pode ser feminista, na Revirada exponhem que “independentemente do rótulo escolhido, o que na realidade importa é como eles agem, sobretudo em ambientes nom ativistas, em ambientes hostis ao feminismo, tanto presenciais como nas comunicaçons online. Nom fazer nada ou ser cúmplice passivo do patriarcado nom é uma forma de acabar com essa perpetuaçom; mais importante é agir de maneira responsável e ativa em espaços onde mais vulneradas podem estar as pessoas mais lesadas pola opressom patriarcal”.
Um modelo hegemónico em contínua evoluçom
No seu livro Masculinidades y feminismos, o sociólogo e ativista Jokin Azpiazu pom em dúvida o caráter transformador das ‘novas masculinidades’ e alerta de que este termo começou a estender-se num momento em que um perfil concreto ‑que se pode enquadrar no homem branco, de classe meia e heterossexual- começou a se questionar sobre a sua masculinidade, ocultando assim a evoluçom de outras masculinidades periféricas que nom encaixavam no normativo. Azpiazu adverte também de que “o modelo hegemónico, o que passa desapercebido, é hoje muito mais discreto e menos aparentemente ligado ao machismo, o qual nom significa que seja mais igualitário: nom reivindica umha primazia masculina mas pratica‑a de forma quotidiana”.
Explorando na literatura que analisa as construçons da masculinidade gai ou trans, que partem de um ponto diferente ao da masculinidade hegemónica, podem-se encontrar ideias ruturistas com o binarismo de género e que estendem a sua análise além da evoluçom da masculinidade hegemónica. Surgiriam assim interrogantes como a possibilidade de desgenitalizar o género ou sobre quais modelos de masculinidade construídas desde o coletivo gai estám a ver-se aceitados polos modelos hegemónicos.
Experiências
O conceito de ‘novas masculinidades’ aparece quando o homem branco, de classe meia e heterossexual começa a questionar-se
Na sua curta trajetória o grupo MellorAndo já experimentou um processo de reflexom sobre o conceito das novas masculinidades. Assim, este grupo concluiu que “concordamos com a lihna de pensamento que questiona a ideia de que haja que criar ‘novas’ formas de viver as masculinidades. Consideramos que, pola contra, é necessário dar visibilidade e reivindicar os múltiplas formas, já existentes, de masculinidades nom hegemónicas, respeitosas, sensíveis e com ânimo de revisar os privilégios”.
çO ativista de género Lontra, também crítico com o conceito de ‘novas masculinidades’, pensa que “a masculinidade é umha ‘performance’, um conjunto de gestos, de atitudes, ao igual do que a feminidade. Quando tés claro isto e decides o que é aquilo do que gostas e do que nom, é algo mui libertador”. “Nom se pode criar umha nova masculinidade pensando na própria masculinidade. Há que renunciar a privilégios, fazer da vulnerabilidade umha ferramenta, rachar com a ideia de autonomia…”, reflete Lontra, quem afirma nom identificar-se com os modelos binários e sentir-se mais confortável a trabalhar com grupos de pessoas trans do que com grupos de homens.