Nos últimos anos está-se a intensificar o debate arredor das autodenominadas “terapias alternativas”, ao se manifestarem com crescente frequência as mais perigosas consequências deste tipo de práticas nom assentes no método científico. Dadas as suas implicaçons políticas, económicas e filosóficas e, sobretodo, ao impacto na saúde pública, trata-se dum debate que está fortemente polarizado e no qual semelha impossível posicionar-se fora da falsa dicotomia: indústria farmacêutica / pseudociência.
De acordo com isto, estamos a ver como produtos e práticas pseudocientíficas som retratadas como umha alternativa válida às vilezas do sector farmacêutico e, para umha parte da esquerda, ao perverso modo de produçom capitalista, quando de facto é óbvio que nom o som; pior do que isso, estám a gerar quantiosos lucros a quem os oferta. Cabe entom perguntar-se porque tenhem tanto sucesso e, sobretodo, porque umha parte tam significativa da esquerda lhes dá amparo.
Longe de ter umha resposta clara e concisa intuo que as causas som múltiplas e o suficientemente complexas como para nom poderem ser abordadas aqui com o rigor preciso. Poderíamos começar por pensar que num contexto em que a sanidade pública se descompom e desumaniza, ao tempo que as condiçons de vida se precarizam, cria-se um caldo de cultura idóneo para todo tipo de falsas soluçons que nos vendam umha melhora às margens do já experimentado. Isto, somado a umha escassa ou nula alfabetizaçom científica do povo e a umha educaçom baseada na reproduçom, e nom em dotar-nos de métodos para interpretar criticamente a realidade, explica o auge de perigosos e, ao meu ver, insolidários fenómenos como o chamado “movimento anti-vacinas”. De forma paralela, e para mim nom menos importante, assistimos ao desarme ideológico de boa parte da esquerda, ensarilhada nas teorias da pós-modernidade e reproduzindo um discurso no qual o irracionalismo pseudocientífico encontra um fácil encaixe.
Por todo isto, longe de aceitarmos a dicotomia indústria farmacêutica/pseudociências que se pretende impor dum e doutro bando, quem militamos na esquerda e nos movimentos sociais, nomeadamente desde o campo cultural, temos muito que dizer e fazer para impedir que elites farmacêuticas e vendedores de magia sejam os que tenham a voz principal do debate, especialmente quando ambos estám a agir como inimigos do povo.
O primeiro desafio que temos é conceber a cultura à margem dos corseletes impostos pola ideologia dominante, interessada em compartimentar e fragmentar o estudo da realidade em múltiplas disciplinas que impedem entender a totalidade. Nom há razons polas quais nom incorporar a chamada “divulgaçom científica” no trabalho cultural dos movimentos populares, quer de forma transversal, quer de forma explícita. Do mesmo jeito em que fazemos trabalho pola memória histórica, pola promoçom da língua, pola divulgaçom do nosso capital artístico ou pola defesa do meio natural, podemos e devemos fazer trabalho para aprender o método científico, para dotar o povo de ferramentas que ajudem a interpretar a realidade e minimizar a vulnerabilidade ante a estafa revestida de retórica científica.
Sem arrogância nem pontificaçons, sem acusaçons nem reproches burlescos a quem acreditar nas pseudociências, há todo um campo de trabalho aberto ainda sem explorar para, desde posturas nitidamente anticapitalistas, recuperar e divulgar a ciência por e para o povo.