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Carlos Calvo: “A prisom fai as pessoas extremadamente dependentes”

por
elena mar­tín

Em 15 de se­tem­bro de 2012 Carlos Calvo Varela en­tra na pri­som acu­sado de per­tença a banda ar­mada, con­de­nado a 12 anos de pri­som pola Audiência Nacional que se­rám re­bai­xa­dos a 7 anos por or­dem do Tribunal Supremo. Carlos tra­ba­lha desde a sua saída em se­tem­bro de 2019 numha co­o­pe­ra­tiva de im­prensa. Gosta de an­tro­po­lo­gia e so­ci­o­lo­gia. Autor do blo­gue Aldeias de Ordes, so­bre to­po­ní­mia da sua co­marca, foi du­rante muito tempo mem­bro do con­se­lho de re­da­çom deste pe­rió­dico. Falamos com ele do fun­ci­o­na­mento das pri­sons, das suas prá­ti­cas re­pres­si­vas e de como es­tru­tu­rar­mos ou­tras ló­gi­cas políticas.

Carlos, em se­tem­bro fi­cas em li­ber­dade de­pois de um per­curso de sete anos por di­fe­ren­tes pri­sons do es­tado es­pa­nhol…
Sim, en­trei em Soto, es­ti­vem umha se­mana ali, de­pois para Aranjuez tam­bém umha se­mana, de­pois man­dá­rom-me para Topas, de Topas a di­li­gên­cias de Valdemoro, que fi­nal­mente es­ti­vem dous me­ses, de­pois disso ou­tra vez para Topas, duas se­ma­nas em Navalcarnero du­rante o juízo, to­tal­mente só, e de­pois o mesmo em Estremera, uns anos em Villabona e no fi­nal Teixeiro.

Já fora, como se leva a rein­cir­po­ra­çom a umha vida au­tó­noma? O que tem a pri­som de rein­ser­çom e de sín­drome de de­pen­dên­cia?
A pri­som fai as pes­soas ex­tre­ma­da­mente de­pen­den­tes, em to­dos os sen­ti­dos. Ali todo é im­posto, mas tam­bém se cha dá todo feito, la­vam-che a roupa, dam-che de co­mer, há uns ho­rá­rios mar­ca­dos… Vás per­dendo ca­pa­ci­da­des se nom te impôs cer­tas rotinas. 

A pri­som fai as pes­soas ex­tre­ma­da­mente de­pen­den­tes, em to­dos os sen­ti­dos. Ali todo é im­posto, mas tam­bém se cha dá todo feito, la­vam-che a roupa, dam-che de co­mer, há uns ho­rá­rios mar­ca­dos… Vás per­dendo ca­pa­ci­da­des se nom te impôs cer­tas rotinas. 

A re­la­çom com a ins­ti­tui­çom é de in­fan­ti­li­za­çom ex­trema, so­bre­todo no caso das mu­lhe­res, tra­tando-as como a cri­an­ças, me­tendo-se nas suas re­la­çons, em quem pode ter fi­lhas e quem nom.. Umha cousa ex­trema, pes­soas de qua­renta anos que tra­tam como crianças.

Muita li­te­ra­tura há em re­la­çom às pri­sons como es­pa­ços de po­li­ti­za­çom, umha es­pé­cie de es­cola po­pu­lar que fun­ci­o­nou nas dé­ca­das de 70 nal­guns co­le­ti­vos, mas o que fica disso nas ma­cro­cár­ce­res atu­ais?
Um tema in­te­res­sante que me con­tou Fernando Ayude, com­pa­nheiro de pes­soas como Tarrio ou Pombo da Silva e que leva quase 30 anos em pri­meiro grau, foi que a grande mu­dança car­ce­rá­ria identificava‑a no mo­mento de in­tro­du­çom das te­le­vi­sons, como mé­todo de en­tre­te­ni­mento fá­cil, e que ti­nha ade­mais re­la­çom di­reta no de­tri­mento de uso da bi­bli­o­teca.
As cou­sas como som, na mi­nha época já ha­via mui pouca po­li­ti­za­çom e em pes­soas con­cre­tas, mais ve­lhas e que ti­nham al­gum es­tudo an­tes de en­trar, mais pro­le­ta­ri­ado do que o sub­pro­le­ta­ri­ado, obrei­ras que fora le­va­vam umha vida re­la­ti­va­mente ordenada.

Outra gente que lê mui­tís­simo som os re­li­gi­o­sos. A igreja evan­gé­lica en­trou de cheio nas pri­sons, su­po­nho que em re­la­çom a todo o que acon­te­ceu na América do Sul, e te­nhem um dis­curso sú­per re­a­ci­o­ná­rio, ma­chista, bas­tante ho­mó­fobo… ainda que dá, mui­tas ve­zes, certa or­dem e sen­sa­çom de ocu­pa­çom aos pre­sos. Depois, nos is­la­mi­tas tam­bém há muita po­li­ti­za­çom e es­tudo, so­bre­todo nos da pri­meira geraçom.

O da te­le­vi­som foi fun­da­men­tal, an­tes lia-se muito mais, che­gá­rom os 90 e as bi­bli­o­te­cas das pri­sons ape­nas pe­dem livros 

Mas sim, o da te­le­vi­som foi fun­da­men­tal, an­tes lia-se muito mais, che­gá­rom os 90 e as bi­bli­o­te­cas das pri­sons ape­nas pe­dem livros.

Em re­la­çom a isto, in­tuo que as po­lí­ti­cas de dis­per­som pui­dé­rom ter um pa­pel re­le­vante como ini­bi­do­ras da po­li­ti­za­çom.
Sim, mesmo nas ma­cro­cár­ce­res atu­ais, ha­vendo tan­tos mó­du­los, cada vez que se forma um gru­pi­nho é fá­cil de dis­per­sar, nom ne­ces­si­tam san­çom de tipo nen­gum, é só mu­dar as pes­soas de um mó­dulo para ou­tro. Penso que tam­bém o fi­gé­rom polo efeito cri­ado nos pró­prios pre­sos co­muns, nom politizados.

Conhecim um ve­lho de quase 80 anos, ainda preso a essa idade, que apren­dera a ler com os co­mu­nis­tas que es­ta­vam con­cen­tra­dos dé­ca­das atrás em Burgos. Naquele con­texto, ao se­rem es­ses pre­sos po­li­ti­za­dos mai­o­ria im­pu­nham, em certo modo, a sua or­dem no quo­ti­di­ano. Hoje num mó­dulo de cem pes­soas ape­nas en­con­tras dous pre­sos po­lí­ti­cos e é im­pos­sí­vel acon­te­cer o mesmo. Os pre­sos bas­cos nesse sen­tido te­nhem in­flu­en­ci­ado muito nas di­nâ­mi­cas dos pre­sos co­muns, até nas pin­ta­das que fam nas ce­las, ado­tando gra­fias como o tx para mar­ca­rem os seus nomes.

Conhecim um ve­lho de quase 80 anos, ainda preso a essa idade, que apren­dera a ler com os co­mu­nis­tas que es­ta­vam con­cen­tra­dos dé­ca­das atrás em Burgos. Naquele con­texto, ao se­rem es­ses pre­sos po­li­ti­za­dos mai­o­ria im­pu­nham, em certo modo, a sua or­dem no quo­ti­di­ano. Hoje num mó­dulo de cem pes­soas ape­nas en­con­tras dous pre­sos po­lí­ti­cos e é im­pos­sí­vel acon­te­cer o mesmo. 

Nom hai mui­tos anos, em 2000 e tan­tos, mu­dá­rom o re­gu­la­mento dos jul­ga­dos de vi­gi­lân­cia pe­ni­ten­ciá­ria, an­tes ter­ri­to­ri­a­li­za­dos. Se tu tra­ba­lha­vas umha sé­rie de rei­vin­di­ca­çons a ní­vel le­gal todo o que se con­se­guis­ses ha­via-se apli­car ao con­junto dos pre­sos. Agora o jul­gado de vi­gi­lân­cia para os pre­sos po­lí­ti­cos é o da Audiência Nacional, está cen­tra­li­zado, por­tanto o que tu con­se­gui­res apli­cam-cho só a ti, nom aos ou­tros. Quebrárom essa ma­neira de con­se­guir be­ne­fí­cios para to­dos, quando an­tes a di­nâ­mica era que, por exem­plo, que os pre­sos bas­cos fa­ziam um cento de de­nún­cias ao mês e ser­viam, caso se­rem re­co­nhe­ci­das, para me­lho­rar es­pa­ços co­muns, con­di­çons de vida, etc. Cortárom por aí dei­xando mais in­de­fenso ainda a quem nom sabe ler ou es­cre­ver, e cor­tá­rom tam­bém umha via in­te­res­sante de criar comunidade.

elena mar­tín

Quanto a ati­vi­da­des nom há muita for­ma­çom e mui­tas som pa­li­a­ti­vas, como a das ONG. Está bem a ri­so­te­ra­pia mas mui­tos pre­fe­riam cur­sos que en­ten­diam que ‘ser­viam para algo fora’. Por exem­plo, o curso de ‘con­du­tor de car­re­tilla’, mui so­li­ci­tado para tra­ba­lhar em obras, ofer­tam dez va­gas numha ma­cro-pri­som de mais de mil…

Quanto a es­tu­dos es­tuda quem tem vo­ca­çom, nom aju­dam nada, so­bre­todo no uni­ver­si­tá­rio. Mas até para o ba­cha­re­lato tés que pre­pa­rar por conta pró­pria. Conhecim pre­sos que le­va­vam quinze anos na ca­deia e nom sa­biam ler nem es­cre­ver, e essa gente in­cor­pora-se cada vez mais à cul­tura car­ce­rá­ria, o que es­cre­veu Foucault de que as pri­sons ser­vem para criar umha de­linquên­cia con­tro­lada, e de­pois é muito mais di­fí­cil ter a umha vida au­tó­noma. Os ca­sos mais ex­tre­mos som pre­sos muito con­fli­tu­o­sos, re­fra­tá­rios à ins­ti­tui­çom mas que som o pro­duto dela. Pessoas que le­vam tanto tempo aí que o seu marco de re­co­nhe­ci­mento é a pri­som, e ini­ciam umha es­pé­cie de car­reira in­ver­tida de pres­tí­gio den­tro dela. Pensam, “eu já nom vou sair e se saio nom vou so­bre­vi­ver, pois aqui fago currículo”.

Conhecim pre­sos que le­va­vam quinze anos na ca­deia e nom sa­biam ler nem es­cre­ver, e essa gente in­cor­pora-se cada vez mais à cul­tura car­ce­rá­ria, o que es­cre­veu Foucault de que as pri­sons ser­vem para criar umha de­linquên­cia con­tro­lada, e de­pois é muito mais di­fí­cil ter a umha vida autónoma. 

Muitas ve­zes tam­bém ide­a­li­za­mos es­sas tra­je­tó­rias de pre­sos re­fra­tá­rios à ins­ti­tui­çom, mas existe umha es­pé­cie de re­la­çom de ini­mi­gos ín­ti­mos com­plexa. A pos­si­bi­li­dade de con­sumo de dro­gas mul­ti­plica-se a cada dia que es­tás den­tro, e quase todo o mundo passa, por exem­plo, po­los psicofármacos.

Tenho a sen­sa­çom que deste lado dos mu­ros uti­li­za­mos, e al­guns cri­ti­ca­mos, os con­cei­tos ‘pre­sos so­ci­ais’ e ‘pre­sos po­lí­ti­cos’ de­sa­ten­dendo o seu fun­ci­o­na­mento in­terno. Para além do ana­lí­tico, como fun­ci­o­nam es­tas ca­te­go­rias in­tra­mu­ros?
Dentro é umha ca­te­go­ria to­tal­mente ope­ra­tiva por­que as di­fe­ren­ças som evi­den­tes para to­dos. Entre os pre­sos so­ci­ais nom hai um vín­culo con­creto, ou muita so­li­da­ri­e­dade em ge­ral, nom é um grupo com­pacto e isso fai que exista um aqui es­tám os po­lí­ti­cos, algo apar­ta­dos de al­guns con­fli­tos car­ce­rá­rios como chi­va­teios e guer­ras do es­tilo, e aquí o resto, em ge­ral se­pa­ra­dos, na lei da selva. 

O que sim penso é que en­tre pre­sos co­muns existe umha cons­ci­ên­cia de classe forte, umha crença de que à gente po­bre en­cer­rada por de­li­tos as­so­ci­a­dos à classe, ma­cha­cam-na, en­quanto aos “ri­cos” nom nos fam nada, e isso ma­te­ri­a­liza-se na di­fe­rença en­tre ter um bom ad­vo­gado e nom tê-lo, em po­der ir bem ves­tido o dia juízo… Tenhem-no mui claro e mui as­su­mido to­dos. Há umha ques­tom de classe in­có­moda e é que ali o rico és tu, e nom é por umha ques­tom mo­ne­tá­ria. Normalmente os úni­cos pre­sos que te­nhem vi­si­tas ex­tra-fa­mi­li­a­res som os po­lí­ti­cos. Isso agu­diza-se em ca­sos de pre­sos em pri­meiro grau, mui­tos afas­ta­dos das pri­sons que lhes cor­res­pon­dem, tra­du­zindo-se em que nunca te­nhem vi­si­tas. Ao mesmo tempo vês que tu es­tás longe e que che ve­nhem ver to­das as semanas…

A res­peito da atu­a­li­dade do in­de­pen­den­tismo, como vês a si­tu­a­çom como re­cém che­gado?
Tenho umha lei­tura am­bi­va­lenta. Por um lado parte dos nos­sos dis­cur­sos e das nos­sas prá­ti­cas ex­pan­dí­rom-se en­tre a mo­ci­dade que mi­lita no na­ci­o­na­lismo, em Galiza Nova ou no Bloco. Fôrom in­cor­po­rando algo o rein­te­gra­ci­o­nismo, in­te­grá­rom tam­bém o dis­curso da in­de­pen­dên­cia, quando na mi­nha época era im­pen­sá­vel, a so­li­da­ri­e­dade com os pre­sos, o tra­ba­lho em cen­tros so­ci­ais… Nom sei se in­flui­ria nisto o con­texto ca­ta­lám, mas aí está. A lei­tura am­bi­va­lente é que ao mesmo tempo essa gente toda nom está or­ga­ni­zada con­nosco, con­se­gui­mos in­tro­du­zir algo mas nom acu­mu­lar ca­pi­tal político.

Acho que nos las­trou muito nom dar con­fi­gu­rado al­gum tipo de re­fe­rente, nem tem que ser um lí­der ou umhas si­glas, pode ser um meio de co­mu­ni­ca­çom que aglu­tine e crie um es­paço de de­bate mais alar­gado. Há mais frag­men­ta­çom do que an­tes, e as pró­prias di­nâ­mi­cas in­ter­nas, pró­prias do van­guar­dismo ou da ex­trema-es­querda ou como se lhe queira cha­mar, fô­rom de­mo­le­do­ras. Houvo cou­sas tam for­tes como o 15M ou o Procés que fi­cá­rom sem ana­li­sar polo in­de­pen­den­tismo galego.

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