‘Puticlubs’: cartografias do abandono
Colegas de profissom tenhem prestado atençom ao mundo da prostituiçom na Roma antiga, tenhem procurado os rastros materiais de mulheres e homens em acampamentos militares polo limes do Imperio. Outras companheiras recuperam as pegadas arqueológicas das prostitutas nas cidades mineiras do deserto de Atacama, entre as ruínas que ficárom do momento de apogeu da exploraçom do afamado nitrato de Chile. Ou nos povoados onde moram aqueles que deforestam o pulmom do planeta e abusam das derradeiras nenas dos derradeiros grupos amazónicos. Todas estas realidades escondem-se num passado longínquo ou em países estranhos; parecem nom ter nada a ver com a nossa realidade. Em 2022 e inspirados por estes precedentes, iniciamos umha investigaçom (sem apoio nengum) sobre a materialidade da escravatura sexual no noroeste ibérico, sobre esses puticlubs em ruínas ou em uso que nos seguem interpelando como sociedade, hoje em dia.
Parafraseando o sociólogo uruguaio Gabriel Gatti, estamos elaborando toda umha cartografia do abandono: buscamos visibilizar vidas desaparecidas na vertigem da exploraçom capitalista. Depredaçom de territorios, corpos e memórias. Mercadoria que se movia e move em bacias mineiras, centrais térmicas, estradas nacionais, autovias e rotundas. Todos nós fomos aculturados nesta realidade, num entorno que tem normalizada a paisagem dos puticlubs. Por isso é fundamental visibilizar esta materialidade além dos urban explorers e dos nostálgicos da Nacional-VI. Estas ruínas deveriam ser visitadas polos escolares. Nom há campanha melhor para luitar contra a lacra da violência machista e a escravatura.
“Estamos elaborando toda umha cartografia do abandono, buscamos visibilizar vidas desaparecidas na vertigem da exploraçom capitalista”
Além de tudo isto, o que resta deste trabalho, o mas importante, é o registro arqueológico. umha documentaçom que visibiliza aquilo que non se devia ver, oculto em recintos-fortaleza, entre sebes, portas diminutas, edificaçons ambíguas e liminais, em nom-lugares, entre códigos puteiros que sublimam o horror, o esprit de corps, a fratria de guerreiros, os “mucho españoles”. Como tem defendido a arqueologia da paisagem (sensu Felipe Criado), a arqueologia é umha ferramenta fundamental para desentranhar as estratégias de visibilidade e visibilizaçom das sociedades do passado e do presente. Todo o visível é simbólico. E doe porque fala de nós mesmos.
Até o momento temos registrados uns 80 puticlubs em território da Galiza, incluindo o Berzo. A nossa pesquisa, seguindo a arqueologia espacial clássica de David Clarke, abrange umha escala macro (distribuiçom polo território, relaçom com as vias de trânsito), umha escala semi-micro (definiçom de nós puteiros onde se concentra o negócio) e umha escala micro (estudo integral de puticlubs que som auténticos model sites, sítios arqueológicos modélicos). Trazemos aqui dous: o Blanco y Negro (Bembibre, Berzo) e o Soraya (Corgo, Lugo).
‘Blanco y Negro’
Em terra de ninguém, junto a Nacional VI, sobre um sítio arqueológico romano, entre Bembibre e Ponferrada, um camioneiro visionário ergueu um galpom nalgum momento dos anos 80. Ao lado do pendelho, sobranceava orgulhosa outra construçom: um mesom. O dueto mesom-puticlub é um clássico na Espanha cañí. O alboio-puticlub (que poderia aparecer no filme Airbag), emblema do feismo, beneficiou-se da construçom da autovia A‑6 entre 1993 e 1999. O negócio ia tam bem que o dono ampliou o edifício com novos quartos. Paradoxalmente, o fim das obras supujo o fim do puticlub, que ficou na área de serviço do vial. Hoje é um non lugar, orfo, fantasmático, no meio dum imenso polígono industrial.
Nom somos os primeiros arqueólogos que entramos aqui. Os espoliadores do cobre fôrom quem forçarom a porta do puticlub Blanco y Negro. Eles som especialistas, vam ao seu, desmantelam tetos e paredes, ma respeitam o resto. Trás eles, a rapazada inçou de graffities todo o espaço (Que vuelvan las putas!) e nom deixa de ser paradoxal que estas ruínas sejam o cenário da primeira experiência sexual de moços e moças. Camadas de memória do passado recente.
O Blanco y Negro é um cárcere e o seu plano poderia figurar no Vigiar e punir de Michel Foucault. Conservam-se até as piquetas do arame de espinho no exterior. As celas tenhem umha janela de 30 cm x 30 cm e o único atrezzo está orientado ao puteiro: um cabide para pendurar a roupa, o rolinho para o papel higiénico. As mulheres som números e nem cama tenhem. Seis pivôs de formigom servem de suporte a umha tábua sobre a que se estra um colchom. Esse espaço baixo a tábua é o único lugar onde encontramos objetos ligados às escravas: medicamentos contra o ácido úrico e revistas do coraçom da década de 1990. Estas mulheres projetavam-se noutras vidas possíveis, mas non deixárom umha mínima pegada da sua passagem por aqui. Nós temos trabalhado em campos de concentraçom franquistas e cadeias e sempre se deteta umha vontade de reafirmaçom individual, com grafítis e mensagens. Aqui nom. Elas som desaparecidas sociais. Som números, simples gado que se move com rapidez de puticlub em puticlub. Das obras da autovia ficam as escombreiras, as cicatrizes no território, mas desta depredaçom de corpos humanos nom resta pegada arqueológica. A miséria moral do dono constata-se na documentaçom recolhida in situ. Constatamos arqueologicamente um nível de uso, no mínimo, entre 1985 e 1998. Nesse tempo o dono investiu unicamente num micro-ondas (eram alimentadas a base de sandes) e um equipo de música. Minimizar custos e ampliar benefícios. A ampliaçom do puticlub foi feita com uralita e porexpan. A ruindade das celas contrasta com o universo sensorial materializado na barra americana: espelhos, fume, música, álcool de importaçom (genebra, whisky, rum), determinadas marcas de tabaco, perfumes… som básicos para a construçom da identidade puteira. Aqui pudemos recuperar a trilha sonora, com os cassettes da Kaoma (Lambada, 1989), Julio Iglesias (Starry Night, 1990; La Carretera, 1995) ou Kayma (imitadores de Camela) com Perfume de Mujer (1997).
‘Soraya’
A escassos metros da escola pública, na reta do Corgo (nó puteiro da cidade de Lugo), fica a ruína do puticlub Soraya. O cartaz elevado sobre a estrada (Night Club) e a esplanada do aparcamento lembram um passado florescente. A diferença do Blanco y Negro, nom estamos ante umha construçom ex novo. Neste caso, umha antiga casa labrega tradicional (lousado e pináculo rematando a coberta) foi modificada na década de 1980 para se converter em puticlub. A fachada rematou por ser um pastiche medieval a modo de castelo (umha iconografia mui espalhada no noroeste). No soto foi habilitada a canónica barra americana e por trás foi aderido, como se fosse umha corte, um módulo com corredor central e quartos laterais. O dono fijo um investimento notável nos quartos. De facto, podemos inferir que as mulheres viviam ali, pois contam cada um com seu duche e mobiliário diverso. Um vidro no cabeceiro da cama e no teto davam um toque sofisticado ao leito. Na barra americana recolhemos documentaçom que nos remite a um último nível de ocupaçom cara aos anos 2007–2008.
“Estas ruínas deveriam ser visitadas polos escolares. Nom há campanha melhor para luitar contra a lacra da violência machista e a escravatura”
Aqui, umha tarjeta da taxista que trazia os clientes da bisbarra; alá, ornamentos das festas do Natal. Dous cartazes exemplificam a impunidade total deste negócio: Hay libro de reclamaciones a disposición de los clientes, Prohibida la venta de tabaco a menores de 16 años. Os espoliadores do cobre fôrom de novo os artífices da reapertura deste local comesto polas hedras, as silvas e os fentos. Lugar de botellón da rapazada do Corgo, num dos quartos, habitado no seu dia por umha destas escravas, alguem deixou no cham, num ato de resiliência, dous folhetos da campanha da Deputaçom de Lugo contra a violência de género: Querémonos vivas.
Para saber mais: La arqueología de los puticlubs. Podcast de La Historia es ayer. El Extraordinario.