O ascenso do fascismo na Europa nom cessou nas últimas décadas e o berro de a por eles está a baralhar a possibilidade de criar um bloco europeu. O caso da Hungria, que a Uniom Europeia ignorou, o caso da Itália, que com tanta benevolência trata, frente à dureza com que tratava a proposta da esquerda grega, os casos nos centros neurálgicos europeus ou na própria Espanha som exemplos do processo de fascistizaçom social.
O fascismo nom se pode ilegalizar, dim, apesar de ser umha opçom que quebra o quadro contratual das democracias liberais e, diretamente, a política, ao propor a violência. O paradoxo democrático que Karl Popper expunha e Noam Chomsky recolhia, polo qual nom seria democrático excluir as posiçons fascistas, deixa de parecer honesto quando as democracias nom titubeiam à hora de arrastar à lama da ilegalizaçom outras opçons que, de facto, nom som tam agressivas para elas. Além disso, conhecemos o passado.
Mas pode que as sociedades democráticas, como apontou Adorno, nunca deixaram de fomentar os microfascismos, especialmente nos períodos de possível viragem cara à esquerda, deslocando, ao mesmo tempo, todo o campo político cara à direita. Será que além da enunciaçom oficial existe algumha conivência pois, apesar do repetido durante um século, o fascismo nom foi essencialmente apoiado polas classes mais populares, senom pola burguesia alta e média. Hoje, os espanhóis votantes potenciais de Vox, bem como os apoios de Bolsonaro no Brasil partilham um perfil de classe muito acomodada. No segundo caso as estatísticas apontam que, além dos ultraconservadores evangelistas, homens brancos de formaçom universitária com rendimentos que multiplicam de cinco a dez vezes o salário mínimo som os que enroupam o Partido Social Liberal. Curioso nome, excessivamente similar ao Partido Nacional Socialista: só muda o nacionalismo, ligado ao Estado burguês e ainda inerente a ele nas formas centrípetas dos neofascismos, por um (neo)liberalismo que recebe o nome de “nova direita” e que realmente quebra as bases do liberalismo político.
A subida de Bolsonaro aumentou ao liderar a campanha através das redes sociais, por mor da –nom política– agressom sofrida, o que proporciona umha forma de proximidade, estratégia clássica do poder. Aliás, as redes sociais ajudam a propagar fakes ou pós-verdades, aspeto que se incrementou nos últimos dias da campanha brasileira e, de facto, WhatsApp já limitou, devido a acontecimentos na Índia, o limite de persoas por grupo. Por outro lado, a filia cara ao homo sacer, semelhante mas superior, mobiliza umha erótica no que di respeito à figura do pai que encarna o líder fascista, à vez que guinda ódio e ressentimento cara aos que nom som gente de bem. O grupo de bem é o grupo que se mimetiza com o líder e o líder representa a ordem: o pensamento está ausente porque se categoriza a partir da dicotomia dos “bons e os maus” e da lógica “se o outro é o mau, eu som bom”.
O ódio organizado polos meios brasileiros expande o ódio ao Partido dos Trabalhadores e a toda a sua política de cobertura social: no estado selvagem em que eles acreditam e que eles criam só existe a guerra e nom há espaço para a empatia. Os fenótipos seguem a ser item do fascismo, mas algumhas persoas sempre tivérom a sensaçom de viver numha guerra racial. Além disso, a desigualdade –em forma de perigosidade– sustém o discurso do PSL, lançando mao do novo fator de segregraçom racial, a aporofobia. E, claro, organiza-se o ódio frente ao processo social LGTB e feminista: “as famílias estám confusas”, dim. Podemos evocar a Clístenes, que fijo grandes esforços no assentamento da democracia, tentando fazer dumha sociedade de famílias, umha sociedade de cidadans… Evocamos a Wilhelm Reich, que analisou os efeitos políticos da repressom sexual, acompanhada atualmente dumha hiperestimulaçom sobrecodificada e mercantilizada. E trazemos também a Rita Moreira, que já apresentava estes tiques no documentário Temporada de caça (1988): as agressons a gays, mesmo por parte de comandos organizados, nom som tam recentes, ainda que se multiplicárom nos últimos dias frente a qualquer dissidente.
Nos meios da alta burguesia qualquer cousa vale para apresentar umha situaçom à beira do caos: inoculando medo perante um jornalismo sensacionalista, mostrando umha realidade fragmentada e ameaçante, consegue-se adesom, pois a insegurança gera egoísmo e dependência. A pirâmide de Maslow apresenta a cousa clara. Frente à descomposiçom iminente procuram àquele capaz de estruturar no caos um cosmos, como o Logos, como a Lei universal. De facto, os fascismos usárom tradicionalmente simbologia gnóstica, que mobilizava afetos à vez que representava o arkhé, o fundamento da ordem metafísica e política.
Os meios, portanto, tenhem a responsabilidade da estetizaçom do fascismo: nom só assinalava este processo Susan Sontag no mundo editorial dos setenta, senom que recentemente Salvini foi capa do XL Semanal. A imagem dumha masculinidade viral é feita triunfar. Mas a legitimaçom nom provém exclusivamente dos mass media que no caso espanhol, por exemplo, nom falam de fascismo, mas de “gente com bandeira espanhola com a qual se enfrentam membros da esquerda radical”. A legitimaçom está a dar-se dentro da própria cena política e Casado vê em Vox aspetos essenciais do PP. Partilham inimigos: os externos e o interno, Catalunha. Ora bem, Abascal ainda sabe mais de fascismo e começa a elaborar a sua categoria de imigrantes, para estende-la por toda a cadeia de oprimidos: os mais próximos culturalmente, os mais parecidos, som menos maus… e assim eles até podem odiar os de mais abaixo…
A deceçom política percebida nalguns discursos busca liberar-se da angústia que aprisiona as vidas e nom encontra outra linha de fugida mais que a inquina a respeito daqueles que “se safam”, como apontava Adorno: a inveja é a base dumha estrutura psíquica fascista que foge das elaboraçons intelectuais, sendo unicamente capaz de reconhecer a denotaçom na linguagem. Assim, Casado busca dizer as cousas claras e projetar legitimamente o ódio sobre grupos sociais caóticos, fora da ordem. Isto é profundamente psicanalítico, pois a essência e o motor do fascismo é o inconsciente, aquilo que nom pode ser verbalizado. Por tal cousa precisam qualificar com violência linguística os demais e os líderes fascistas sabem que com cada barbaridade que emitem a intençom de voto aumenta.
Estamos perante um modelo que nom quer tanto submeter-se como render culto ao que legitime a exteriorizaçom da violência reprimida. Quer o poder autoritário para os outros: nom quer ser castigado, masoquista, polo líder, quer ser abraçado por ele enquanto, sádico, deseja o castigo para o resto.