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Marisa e as mulheres que aram a terra

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A fol­clo­rista Marisa Rey-Henningsem in­te­res­sou-se pola tra­di­çom oral desde cri­ança, da sua ex­pe­ri­ên­cia e das in­ves­ti­ga­çons em que acom­pa­nhou ao seu ma­rido sur­gí­rom vá­rios li­vros que pes­qui­sam o pa­pel da mu­lher na nossa sociedade.

Umha mu­lher vi­via numha al­deia perto de aqui. Ainda que es­tava ca­sada an­dava com ou­tros mo­ços. As vi­zi­nhas la­men­ta­vam-se, por­que o seu ma­rido tra­ba­lhava muito e mi­rava muito por ela. Falava tanto o pes­soal que o se­nhor rei soubo e pre­gun­tou ao ma­rido se era certo o que se di­zia. Este ad­mi­tiu que sim, ao que o rei res­pon­deu que lhe po­ria re­mé­dio. Era ne­ces­sá­rio fa­zer al­gumha cousa, umha mu­lher nom po­dia tra­tar tam mal um ho­mem tam bom”.

"O folclore é um espelho em que se reflete a sociedade"

Neste re­lato, que a fol­clo­rista Marisa Rey-Henningsem re­pro­duz no seu li­vro Os con­tos da mul­ler que ara, ou Contos da ara­dora o rei acode à casa da es­posa. O mo­narca ques­ti­ona o seu amor polo ma­rido, ao que ela res­ponde que o quer, que o quer muito! O rei, es­can­da­li­zado, ques­ti­ona-lhe logo o seu com­por­ta­mento. “Nom tem nada a ver umha cousa com a ou­tra, e as­sim lho de­mos­tra­rei”. O re­ge­dor aceita, nom sem an­tes ame­açá-la de morte caso de nom o con­se­guir. O pri­meiro dia que acode ao lar do ca­sal, ela aguarda‑o com um prato de su­cu­len­tas per­di­zes na mesa, que ele de­vora fe­liz. Assim ao se­guinte dia, e ao se­guinte, e ao seguinte…

-Mulher, po­demo-lo dei­xar aqui. Nom podo se­guir co­mendo per­di­zes, nom aguento mais.
-E logo, nom gos­tava tanto?
-Gostar, gos­tava! Mas é que levo meio ano co­mendo o mesmo prato! Sem a mais mí­nima va­ri­a­çom. Qualquer cousa, por muito boa que for, chega a can­sar. Nom tem a ver umha cousa com a outra.
-Senhor, vejo que me com­pre­ende você perfeitamente!

Em Alemanha”, ex­plica Rey-Henningsem ao te­le­fone, “o conto é di­fe­rente”. O rei trata de ex­pli­car à mu­lher por que o seu ho­mem anda com ou­tras mo­ças. “Os con­tos”, ex­plica no co­meço dou­tras das suas pu­bli­ca­çons, O mundo das mul­le­res ara­do­ras, “re­fle­tem os pa­trons cul­tu­rais dumha so­ci­e­dade”. E di, “o fol­clore é o es­pe­lho” em que esta se re­flete. Desde mui nova in­te­res­sou-se po­los re­la­tos e a tra­di­çom oral, muito an­tes de con­vertê-la no ob­jeto dos seus estudos.

Marisa nas­ceu em Madrid em 1936, pouco an­tes do es­ta­lido da Guerra Civil. A guerra sur­pre­ende à sua fa­mí­lia quando vi­si­tava o seu avó e a sua avoa ma­ter­nos no Couto, em Ourense. “Na Galiza apren­dim a an­dar e di­gem as mi­nhas pri­mei­ras pa­la­vras”, ex­plica. Daquela época guarda lem­bran­ças, ape­sar da sua curta idade. A sua nai ber­rando que a guerra re­ma­tava ao sair da casa, a vi­a­gem de volta para Ourense desde Vila Garcia, os re­gis­tos nos que ti­nham que dei­tar-se no au­to­carro, a volta a Madrid e ato­par a vi­venda fa­mi­liar des­tro­çada. Os anos se­guin­tes Marisa iria à es­cola, nas Carmelitas, para co­me­çar de­pois os es­tu­dos de in­glês. O bairro dos Jerónimos, onde vi­viam, era lu­gar de en­con­tro de ga­le­gos, bas­cos e an­da­lu­zes des­ti­na­dos em Madrid. Desses anos mar­ca­ron a Marisa as ter­tú­lias no sa­lão da avó Carme.


Ao pouco de mor­rer a sua avó pa­terna Marisa mar­cha a Londres, vi­ver com um ca­sal. O ma­rido era ju­deu, a mu­lher da­nesa con­versa ao ju­daísmo; por pri­meira vez es­cu­tou fa­lar do na­zismo e da diás­pora ju­dia. Convidárom-na a pas­sar as fé­rias em Dinamarca. Em Helsingør, co­nhe­ceu ao seu fu­turo ma­rido, o an­tro­pó­logo Gustav Henningsem. Conhecido na Galiza po­las suas obras e pola ex­po­si­çom fo­to­grá­fica Galicia má­xica. Aos pou­cos me­ses ca­sá­rom e Marisa mar­chou para Dinamarca. Gustav ainda es­tu­dava na uni­ver­si­dade e Marisa co­me­çou a acom­pa­nhá-lo às au­las. Assi foi apren­dendo da­nês. “Consideravam-me um pás­saro exó­tico”, conta.

Naqueles anos dei­xou de lado os seus es­tu­dos. Gustav Henningsem é an­tro­pó­logo e fol­clo­rista, e es­tava es­pe­ci­al­mente in­te­res­sado nos re­la­tos em torno a bru­xa­ria. As suas pes­qui­sas le­vá­rom-no a vi­si­tar o es­tado es­pa­nhol, e a in­ves­ti­gar na terra na­tal de Marisa en­tre 1965 e 1968. Vivírom em Ordes, onde Gustav fixo gram parte do seu tra­ba­lho de campo. No 68, e até o 71 vi­vi­ron em Madrid.

O primeiro livro publicado por Marisa foi umha recompilaçom de contos, que seria traduzida para o norueguês.


“Quando Gustav fa­cía umha en­tre­vista numha casa sem­pre se con­cen­trava um grupo de pes­soas. Sabiam que ía­mos e in­te­res­sa­vam-se. Gustav fa­zia per­gun­tas sem­pre di­ri­gindo-se aos ho­mens”, ex­plica Marisa. Até quando os ma­ri­dos lhe re­pli­ca­vam “as mu­lhe­res sa­bem mais, per­gunta-lhe à mi­nha mu­lher”. “Ele nom”, con­ti­nua a fol­clo­rista, “a mim cha­mava-me a aten­çom, mas ele nom lhe dava im­por­tân­cia”. “Quando Lisón Tolosana pu­bli­cou o seu li­vro di­gem-lhe: «aqui está todo o que ten­tei ex­pli­car-che»”; o li­vro que cita Marisa é a obra Antropologia Cultural de Galicia que o dou­tor em Filosofia e Letras Carmelo Lisón Tolosana pu­bli­cou em 1971. A sua lei­tura, o pos­te­rior con­tato com Tolosana, le­vá­rom-na a que­rer pu­bli­car o seu pró­prio material.

 

O pri­meiro li­vro pu­bli­cado por Marisa foi umha re­com­pi­la­çom de con­tos, que se­ria tra­du­zida para o no­ru­e­guês. Baseava-se nos re­la­tos es­cui­ta­dos na sua in­fân­cia. Umha rá­dio da­nesa in­te­res­sou-se e quixo fa­zer um pro­grama na Galiza. Marisa acom­pa­nhou a jor­na­lista se­guindo a es­tela de to­po­ní­mias dos li­vros de Tolosana. “Em 77, com a rá­dio, vi­si­ta­mos as lon­jas”, lem­bra, “à jor­na­lista cha­mava-lhe a aten­çom ver mu­lhe­res ali. Algumhas saiam com os ho­mens ao mar, para ela isso era novo”. As sur­pre­sas da jor­na­lista nom re­ma­tá­rom no seu pé­ri­plo cos­teiro. “Mulheres arando a terra nos paí­ses nór­di­cos nunca se viu”, co­menta, “a pro­pri­e­dade da terra e o ho­mem sem­pre vam uni­dos. Ela via mu­lhe­res arando a terra”. E elas, as mu­lhe­res que aram a terra, se­riam as pro­ta­go­nis­tas dumha das pu­bli­ca­çons de Marisa.

As mandas matrilineais, a mulher como herdeira das propriedades ou as nais solteiras nas zonas costeiras fôrom objeto de ensaios e distintas publicaçons. Todas na procura de estudar se Galiza podiam-se atopar vestígios ou provas dumha sociedade matriarcal.

Durante os anos que pas­sou com o seu ma­rido na co­marca de Ordes co­nhe­ceu à Dolfina. “Ia sem­pre com o seu arado, um tronco de ár­vore com o ferro num ex­tremo, carregava‑o ao lombo e alá ia”, re­me­mora. Numha oca­siom a Dolfina caiu-se-lhe o arado e Gustav tra­tou de co­lhê-lo, mas nom o puido mo­ver”, Marisa ri atra­vés do te­le­fone. “Ela co­lheu-no, car­re­gou-no e mar­chou. Tinha umha per­so­na­li­dade in­crí­vel”, e por este mo­tivo é a por­tada de O mundo da ara­dora, umha obra re­sul­tado da am­pli­ca­çom da tese de Marisa. A esta pu­bli­ca­çom acom­pa­nha o li­vro Contos da ara­dora, em que Rey-Henningsem re­com­pila máis re­la­tos e con­tos ga­le­gos tra­du­zi­dos ao danês.

Nos seus li­vros, Marisa Rey-Henningsem ex­plora o con­texto so­cial ga­lego atra­vés das nar­ra­çons orais, re­co­lhi­das e re­cu­pe­ra­das dou­tros tex­tos já pu­bli­ca­dos. Galiza es­tivo em auge na­quela época em cer­tos sec­to­res do mundo aca­dé­mico. Especialmente de­pois das pu­bli­ca­çons de Lisón Tolosana, ex­plica Marisa. As man­das ma­tri­li­ne­ais, a mu­lher como her­deira das pro­pri­e­da­des ou as nais sol­tei­ras nas zo­nas cos­tei­ras fô­rom ob­jeto de en­saios e dis­tin­tas pu­bli­ca­çons. Todas na pro­cura de es­tu­dar se Galiza po­diam-se ato­par ves­tí­gios ou pro­vas dumha so­ci­e­dade matriarcal.

Nos anos 90 Marisa re­tor­nou à Galiza, ao Morraço. “Quigem es­tu­dar a che­gada da mo­der­ni­dade à Galiza. As ca­sas de pe­dra fi­ca­vam para os apei­ros ou para os ani­mais, ha­via cons­tru­çons no­vas. A mu­dança era im­pres­si­o­nante”, ex­plica. Depois de tan­tos anos de tra­ba­lho junto ao seu ma­rido, a quem tra­du­zia as obras, a quem aju­dava nas pes­qui­sas até o ponto de que o seu pro­fes­so­rado dixo a Gustav “agora toca-lhe a Marisa in­ves­ti­gar”, en­trou ofi­ci­al­mente na universidade.
Na atu­a­li­dade Marisa re­side junto ao seu ma­rido perto de Málaga. Acha em falta Dinamarca e fai pouco tempo co­me­çou a es­cre­ver as suas me­mó­rias. Lembrar é como “vi­ver ou­tra vez”, aponta. As suas pu­bli­ca­çons so­bre a Galiza, as suas pu­bli­ca­çons em ge­ral, po­dem-se en­con­trar tra­du­zi­das a in­glês, da­nês ou ao norueguês.

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