Sabíamos disso: esta crise nom era unicamente sanitária. Desde os primeiros momentos de incerteza e de emergência estávamos cientes de que seriam precisas todas as nossas forças, energias e criatividade para enfrentar umha situaçom que, ainda que daquela desconhecíamos o alcance, era certo que ia bater contra as de sempre. Contra a gente dos bairros. Contra nós e contra as nossas vizinhas.
Acontece que desta volta existiam dificuldades acrescidas, porque a resistência nom se podia construir sobre os nossos espaços de referência (ruas, praças, centros sociais) nem tampouco sobre os nossos corpos. Tínhamos que inventar formas novas de fazer funcionais as nossas redes comunitárias, já fracas polos longos anos de ataques que vimos padecendo pola especulaçom, a gentrificaçom e o espólio das cidades. Assim surgírom os Grupos de Apoio Mutuo (GAM) na Corunha: como rede vicinal de ajuda entre iguais, como comunidade de cuidados entre aquelas que até havia uns meses partilhávamos rua e mercado.
Desta volta existiam dificuldades acrescidas, porque a resistência nom se podia construir sobre os nossos espaços de referência (ruas, praças, centros sociais) nem tampouco sobre os nossos corpos
Presença em catorze bairros da cidade, grupos de trabalho em torno dos problemas mais urgentes (emergência alimentar, direito à vivenda, comércio local, costureiras de máscaras, acompanhamento emocional), trinta e cinco caixas de resistência numha rede de estabelecimentos locais solidários e milhares de açons de primeira necessidade que conseguírom responder – precariamente – umha emergência sem precedentes. Do apoio mais básico para comer ou para mercar aprovisionamentos, ao acompanhamento para fazer valer os nossos direitos na petiçom de ajudas públicas ou para enfrentar um despejo (desses que o ministro achava que nom se produziam).
Três caraterísticas fundamentais. Apoio mútuo: as pessoas que um dia precisavam um cabo no dia a seguir estavam a colaborar numha distribuiçom ou a pôr em marcha a caixa de resistência do seu bairro. Politizaçom: a derivada da construçom coletiva e do trabalho comum pola tua vizinhança. Feminizaçom: as mulheres, mais umha vez, assumírom o protagonismo nesta rede de cuidados (cousa na qual nom deixamos de refletir de jeito crítico).
Frente à vaga de solidariedade entre as vizinhas, o abandono por parte das instituiçons: ajudas que nom chegavam, recursos insuficientes…
E frente a esta vaga de solidariedade entre as vizinhas, o abandono por parte das instituiçons. Ajudas que nom chegavam, que nom chegam ainda, como as PRESCO ou o apoio para os alugueres; recursos absolutamente insuficientes –tivemos que assumir noites em pensons ou abrir as nossas casas a vizinhas em dificuldades ante a inexistência dumha alternativa habitacional pública–; e umha absoluta cegueira: tanto por parte da Junta como por parte do Concelho a máxima foi que todo estava sob controlo. Mençom à parte merece a agressividade mostrada contra nós polo governo municipal da Corunha, que chegou mesmo ao insulto público por parte do seu porta-voz.
Hoje, as circunstâncias som bem diferentes, mas a crise é –segue a ser– brutal. A vaga da emergência está a deixar atrás de si umha realidade de precariedade que ameaça a vida das nosas vizinhas, sobretodo das mais vulneráveis. Quantos negócios locais tivérom que fechar na espera dum apoio municipal que nom chegava? Quantas pessoas tivérom que deixar o seu fogar por nom poderem assumir o aluguer? Quantas famílias som atendidas polas suas vizinhas enquanto aguardam pola citaçom com a sua trabalhadora social?
Desde os bairros, responderemos. Sempre o fazemos. Mas é o momento de as instituiçons cumprirem com a sua parte.