Ainda longe dos níveis prévios à crise, a temporalidade laboral volta retomar umha senda ascendente paralela à recuperaçom de parte do emprego perdido
Abel é o nome fictício de umha pessoa real. É economista, acaba de fazer os 28 anos e trabalha no departamento de consultoria de umha empresa de Lugo, onde vive com a sua nai. Antes bem, trabalhava, porque no momento em que estas linhas sejam publicadas o contrato de práticas de Abel já terá finalizado e a hipótese mais provável é que esteja no desemprego. Durou um ano.
A temporalidade é possivelmente a parte mais visível da precariedade, mas nom a única. O dicionário Estraviz define precário como aquilo “que não oferece garantias de ser estável ou seguro”, enquanto o dicionário da RAG fai-no como aquilo “que non ofrece seguridade nin garantías de duración”. Contratos com data de caducidade, jornadas a tempo parcial que vam mudando de horário a cada dia, salários exageradamente baixos ou contratos em negro sem nenhum tipo de garantia formam parte da realidade diária de umha parte mui relevante da populaçom.
Nom é problema da crise
A situaçom de Abel é a de milheiros de pessoas. Concretamente, de 203 mil galegos e galegas, segundo os dados da EPA para 2015: umha em cada quatro assalariadas galegas tem contrato temporal.
Umha de cada quatro assalariadas galegas tem um contrato temporal segundo dados da EPA
Desde que em 2014 a taxa de emprego começou a recuperar umha tendência moderadamente ascendente, da esquerda e particularmente do âmbito sindical tem-se incidido na baixa qualidade do emprego que estava a ser demandado, chamando a atençom especialmente para o fenómeno da temporalidade. Efetivamente, a taxa de temporalidade passou de estar por baixo de 23 por cento em 2012 a estar por cima dos 25 pontos em 2015. Porém, como se aprecia na gráfica, antes da crise, em 2006, era de 35 por cento, dez pontos superior à atual. As cifras para o conjunto do Estado espanhol som similares. Apesar da temporalidade ainda nom ser tam alta como antes da crise, existe umha notável diferença para as precárias de 2007 e as de 2016: é mais doado encontrar um novo emprego quando a taxa de paro está em 7,5 por cento do que quando está próxima a 20 por cento.
A evoluçom da temporalidade confirma que, longe de estar a ser umha consequência da crise, é um problema estrutural da economia espanhola que já levava tempo aí. Ante a primeira recessom económica, as trabalhadoras temporais fôrom as primeiras em sofrer o desemprego. Às empresas sai-lhes mais barata a nom renovaçom de um contrato temporal do que o despedimento de alguém indefinido. Hoje ainda estamos longe de registar taxas de temporalidade tam altas como as prévias à crise, mas também estamos longe dos níveis de emprego anteriores a 2008. A tendência dos últimos anos aponta cara a um novo aumento da temporalidade, um caminho de retorno cara o cenário anterior, o que ‑além doutros fatores- volta colocar os mercados laborais galego e espanhol numha situaçom de extrema vulnerabilidade ante um novo ciclo negativo.
“A mocidade nom o tem doado”
Aos seus 28 anos, Abel fai parte da geraçom mais castigada pola precariedade. A Mostra contínua de vidas laborais (MCVL) oferecida polo Instituto Galego de Estatística (IGE), que recolhe informaçom das pessoas que mantiveram relaçom de alta laboral com a Segurança Social ao longo do ano de referência ‑quer por conta própria, quer por conta alheia, proporciona umha foto fixa muito completa sobre o perfil da precariedade na Galiza. Os últimos dados, relativos a 2014, mostram como, do total de trabalhadoras e trabalhadores de entre 25 e 34, apenas a metade (51 por cento) mantivérom o emprego durante todo o ano. Esta percentagem apenas é superada polas trabalhadoras de entre 16 e 24 anos (apenas 19 por cento das que trabalhárom pudérom manter o emprego todo o ano). “A cousa nom é doada, e menos para a gente nova”, comenta Abel ao ser perguntado polo seu plano para ao futuro imediato. “A gente se fica é para choios como este, se queres algo melhor só che resta marchar para Londres, Madrid, Barcelona ou onde for…”.
A estatística reflete como conforme vai aumentando a faixa de idade analisada também aumenta a percentagem de pessoas que estám empregadas durante o ano inteiro. Porém, a precariedade também é um fenómeno estendido entre as pessoas maiores de 35 anos. De cada cem pessoas que mantivérom alta laboral na Segurança Social em 2014, apenas 66 estivérom empregadas todo o ano, enquanto as outras 34 virom-se nalgum momento em situaçom de desemprego.
Aumentam as meias jornadas
Se bem a elevada temporalidade é um problema estrutural que vai para além da crise; outro fenómeno ligado à precariedade foi ganhando cada vez maior importância ao longo dos últimos anos no mercado laboral galego e espanhol: os trabalhos a meia jornada. Em 2007, antes de que a dessaceleraçom económica torna-se recessom económica, havia 115.000 trabalhadoras galegas empregadas a tempo parcial, o equivalente a dez por cento do total. A cifra foi aumentando progressivamente até situar-se em quase 146.000 pessoas em 2015, ou o que é o mesmo, 14 em cada cem. Ao tempo que aumentava a quantidade de pessoas trabalhando a tempo parcial, descia o de pessoas contratadas a jornada completa ‑de 1.077.000 em 2007 a cerca de 871 mil em 2015.
“Havia dias que fechava às dez e meia da noite e voltava abrir às cinco da madrugada do dia a seguir”, conta Fernando, que estivo trabalhando durante um ano para a cadeia de supermercados Lidl a meia jornada. Desde que o Governo do Partido Popular aprovou a reforma laboral de 2012, a empresa pode incrementar umha jornada laboral a tempo parcial até 75 por cento, com o único requisito de avisar o empregado com três dias de antelaçom. Umha jornada de 20 horas semanais pode tornar numha outra de 35. “Havia semanas que fazias 14 horas e semanas que fazias 36”, explica Fernando.
Este jovem de 26 anos colgou o avental do Lidl e agora está matriculado num ciclo superior de artes gráficas ao tempo que completa o curso de inglês avançado na Escola Oficial de Idiomas. Seria impossível compatibilizar a sua formaçom com o seu anterior emprego a tempo parcial, pois o seu horário mudava, literalmente, a cada dia. À sua idade, Fernando contemplava‑o como umha etapa vital passageira, como umha forma de aforrar algo de dinheiro, mas pensa nas suas companheiras mais velhas: “O pior de todo é que tinha colegas que levavam 15 anos no mesmo posto de trabalho e também estavam com contratos a meia jornada e sem horários fixos. Todas as pessoas tínhamos essas condiçons. Pessoas com crianças ao seu cargo. Que forma de viver é essa?”.
Fernando, e todas as companheiras, cobravam 600 euros mensais. Abel, o economista de Lugo, 800. “Tu pensas que é umha merda para o trabalho que fás”, comenta, “mas depois vês que os teus companheiros de departamento estám a cobrar menos. Tenhem mais responsabilidades que tu e aprendem-che cousas todo o tempo, mas cobram menos do que o bolseiro. Tanto fai que levem dez anos ali”.
Entre as baixas pagas por hora, as meias jornadas e os períodos intermitentes no desemprego, 23 por cento das pessoas assalariadas galegas nom alcança a cobrar 500 euros ao mês de meia, segundo dados da Mostra contínua de vidas laborais para 2014. Quatro em cada dez nom chega a mileurista.
As trabalhadoras com contrato temporário fôrom as primeiras em perder o emprego no início da recessom
O baixo nível de ingressos erige-se como umha das principais facetas da precariedade. Por enquanto, das pessoas que estivérom empregadas durante todo o ano apenas 16 por cento estivo por baixo do umbral dos mil euros mensais, um bocado mais da metade (51 por cento) das pessoas que só trabalhárom parte do ano nom cobrou nem 500 euros ao mês.
Este é o caso também de Fernando, que ‑após deixar o Lidl- este verao trabalhou num bar de praia durante dous meses seguidos com jornadas de 12 horas ‑aqui seguidos é quase literal, pois apenas tivo um dia de descanso em todo o verao. Ganhou perto de 1.300 euros cada mês. Mas este salário estival, que poderia parecer relativamente bom, tem que durar como mínimo até o inverno. Fernando está pendente de umha oferta numha cadeia de tendas para trabalhar na campanha de Natal e voltar aforrar durante um par de meses para ter algo com o que subsistir na seguinte etapa de desemprego estacional.
A de Fernando é a situaçom maioritária entre os assalariados menores de 34 anos: seis em cada dez só trabalha parte do ano. A consequência deste nível de precariedade é que seja também esta geraçom a que concentra os níveis de ingressos mais baixos: 36 por cento dos jovens nom chega a cobrar um promédio de 500 euros mensais, e 58 por cento nom chega aos mil euros. Outra forma de vê-lo: os menores de 34 anos suponhem pouco menos de um terço do total de pessoas assalariadas, mas som a metade das que cobram menos de 500 euros ao mês.
Ademais da temporalidade, as jornadas parciais som umha das principais causas dos baixos salários. O salário meio de alguém que trabalha todo o ano a tempo completo é de 25.106 euros anuais (dados para 2014), por enquanto o salário meio de alguém que passa o ano inteiro com um contrato a tempo parcial foi de 11.005 euros: umha diferença de mais da metade.
Até aqui os dados estatísticos. Mas também há casos como o de José (nome fitício, pessoa real): Trabalha dous ou três dias à semana cuidando um idoso de dez da noite a dez da manhá e cobra uns 400 euros ao mês, o justinho para se manter enquanto remata o mestrado de professorado que lhe permita dar aulas de história no ensino secundário, disciplina na qual possui umha licenciatura. Quotiza zero euros ao mês, paga um IRPF de zero euros e, em caso de despedimento improcedente, tem direito a umha indemnizaçom de zero euros, a mesma que lhe corresponderia por fim de contrato. Se cair doente, cobraria um salário de zero euros enquanto durar a baixa. O seu caso nom sai nas estatísticas de contratos da Segurança Social, porque nom tem contrato. “No mínimo nom tenho de aguentar bêbedos às noites como algum amigo meu que é empregado de bar”, di buscando o lado positivo da situaçom.
Abel, o da consultoria, também sabe bem o que é trabalhar sem contrato. “Durante os dous anos e meio que estivem de músico por Santiago devim assinar como muito três papéis”. Fai umha breve pausa, ri e corrige-se: “nom, nem chegarom a três”. Abel tampouco existia nas estatísticas durante os anos que tocava nas ruas e nos bares de turistas para pagar-se o seu mestrado em económicas.
Contratos de usar e tirar
Em 2015 havia na Galiza 98 mil pessoas assalariadas menos do que em 2009. Porém, o ano passado assinarom-se 200 mil contratos iniciais mais do que há sete anos. Um total de cerca de 853 mil, segundo dados da Junta. É dizer, houvo quase um novo contrato por cada pessoa assalariada.
Aumenta a contrataçom até alcançar marcas históricas, mas o emprego continua sem recuperar-se. A razom: o elevado peso dos contratos temporais, que suponhem 95 em cada 100 dos novos contratos assinados. Um em cada três contratos tem umha duraçom inferior a umha semana, e quatro em cada dez nom chegam ao mês. Apenas três em cada cem tenhem umha data de caduzidade superior ao meio ano. Umha parte importante dos novos contratos, um terço do total, nom tenhem estipulada a data de finalizaçom ao serem assinados. Poderiam durar um dia, umha semana, um mês ou um ano; o que a obra ou serviço tardarem em ser finalizados.
Precariedade e cuidados no fogar
As mulheres som perto da metade das pessoas assalariadas na Galiza, e aqui termina a igualdade no mercado laboral. Das 345 mil trabalhadoras por conta alheia que nom chegam ao limiar de 1.000 euros ao mês, 57 por cento som mulheres. Só a partir de salários superiores aos 1.250 euros mensais (15.000 euros ao ano) começam a ser maioria os homens. Quanto mais altas as faixas salariais observadas, mais maioritários som os homens: eles som 60 por cento dos quais cobram entre 15.000 e 40.000 euros ao ano e 67 por cento dos quais cobram mais de 40.000. Os dados da Monstra contínua de vidas laborais indicam que a fenda salarial ‑a diferença entre os salários meios de mulheres e homens- situou-se nos 4.419 euros em 2014.
Umha das causas desta diferença de ingressos é a impossibilidade de poder trabalhar a tempo completo. Três em cada quatro pessoas ocupadas a meia jornada som mulheres, segundo dados da EPA para 2015. Visto doutra perspetiva: quase umha em cada quatro mulheres ocupadas tem um trabalho remunerado a meia jornada (23 por cento); enquanto no caso dos homens apenas som sete em cada cem. Em 2007 estas proporçons eram mais baixas, de 17 por cento para as mulheres e de quatro por cento para os homens.
A percentagem de mulheres que trabalham a meia jornada mas que gostariam de fazê-lo a tempo completo aumentou de 44% a 62% nos últimos sete anos
A diferença de género já estava aí antes da crise, mas as circunstâncias que obrigavam às mulheres a terem trabalhos remunerados de menos horas fôrom mudando nos últimos anos. Segundo dados da EPA para 2009, naquela altura 29 em cada cem mulheres que trabalhavam a meia jornada faziam-no quer por ter de dedicarem-se ao cuidado de crianças ou de adultos dependentes quer por outro tipo de “obrigas familiares ou pessoais”, em vocabulário do INE. Em 2016 esta percentagem caiu até 19 por cento. No entanto, no mesmo período, a percentagem de mulheres que trabalham a meia jornada mas que gostariam de fazê-lo a tempo completo aumentou de 44 a 62 por cento. Estes dados podem ser interpretados de duas maneiras: ou diminuiu a carga de trabalho de cuidados, ou a situaçom económica obriga a tentar aumentar as jornadas de trabalho remunerado e somar horas ao dia para fazer frente também ao trabalho de cuidados nom remunerado.
No caso dos homens, apenas oito em cada cem dos que trabalhavam a jornada parcial aludiam aos cuidados como motivo principal em 2009. Hoje nom chegam a cinco em cada cem.
O módulo sobre conciliaçom da EPA para 2010 (último disponível) indica que, das 33.760 galegas que nom trabalham ou o fam a tempo parcial com e tenhem crianças ao seu cargo, 56 em cada cem apontavam como primeira causa dessa situaçom ao elevado preço dos serviços de cuidados, sendo esta a resposta mais comum. Aliás, umha em cada quatro que a razom principal para nom poder trabalhar ou ter que fazê-lo a meia jornada era, simplesmente, a falta de ditos serviços.
No caso das mulheres que cuidam adultos dependentes e que trabalham a meia jornada ou permanecem fora do mercado laboral as razons repetem-se. Das 21.350 que estám nesta situaçom, das que 46 em cada cem apontam como primeira causa a que os serviços de cuidados som demasiado caros. Umha em cada quatro resposta, novamente, que nom pode trabalhar remuneradamente ou aumentar a sua jornada simplesmente pola falta de serviços de atençom a pessoas dependentes.