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Retrato de Miguel Rodríguez Carnota.

A nível global, é raríssimo alguém ter de procurar lugares seguros para falar a língua oficial do seu país”

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Retrato de Miguel Rodríguez Carnota.
arume

Por muitos anos, Miguel Rodríguez Carnota foi mestre no rural. Ao chegar a umha vila marinheira para trabalhar num liceu, apesar de seguir lecionando as aulas em galego, a realidade linguística mudou: “De vez em quando, aparecia algum rapaz ou rapariga solta falando galego, sobretodo rapazes” explica. Esta singularidade ‑falar galego na Galiza- chamou a sua atençom quando observou que esse alunado tardava “um ou dous anos” em adotar a língua do resto da rapaziada, o espanhol. Além dos ‘rituais’ ‑as aulas de galego, o Dia das Letras ou os magustos- o liceu era um espaço hostil para a utilizaçom do idioma. Esta é a premissa de que parte a tese sobre a substituçom lingüística de Miguel, em versom divulgativa no livro ‘Lingua, poder e adolescencia’.

Na tese con­tas que as ado­les­cen­tes ga­le­go­fa­lan­tes en­ca­ram si­tu­a­çons hos­tis com ou­tras ado­les­cen­tes ao fa­lar em ga­lego. Que tipo de res­pos­tas en­con­tra­che? 
Essa é a parte mais do­lo­rosa. Nas en­tre­vis­tas, as in­for­man­tes di­ziam que ha­via al­gumhas res­pos­tas hos­tis do pro­fes­so­rado, mas que eram muito mais ha­bi­tu­ais por parte do alu­nado. Há ata­ques nos re­creios, fora do li­ceu, des­con­si­de­ra­çons ou brin­ca­dei­ras que vam mol­dando a con­si­de­ra­çom da lín­gua. Estas pes­soas vem-se im­pos­si­bi­li­ta­das para em­pre­gar o ga­lego, em­bora as suas in­ter­lo­cu­to­ras sim o en­ten­dem e po­dem falá-lo perfeitamente. 

Porém, a pai­sa­gem lin­guís­tica dos cen­tros é mai­o­ri­tá­ria em ga­lego: car­ta­zes, do­cu­men­tos… É o ga­lego umha lín­gua ar­ti­fi­cial nes­tes con­tex­tos? 
O cen­tro é um mi­cro­cos­mos, por­que está todo em mais dum 80% em ga­lego. É um dos pa­ra­do­xos, que neste am­bi­ente em es­pe­cí­fico se crie esse am­bi­ente que im­peda o uso nor­mal da lín­gua. Se baixa um mar­ci­ano nom o en­tende, e até é di­fí­cil para nós en­ten­der. Toma-se o ga­lego como lín­gua de ri­tual para uti­li­zar só para cer­tas cou­sas. Nos úl­ti­mos de­cé­nios ga­nhou esse es­paço, o qual para nada im­plica a sua nor­ma­li­za­çom so­cial, mas nem se­quer fai com que o ga­lego poda fa­lar-se com nor­ma­li­dade. Isto vemo-lo como nor­mal mas re­vela umha re­a­li­dade muito com­plexa e en­re­ve­sada. Segundo as in­for­man­tes, mui­tas ve­zes nem lem­bra­vam em que idi­oma es­ta­vam os car­ta­zes da parede. 

 

“Há muita hi­po­cri­sia. Estám con­ven­cendo-nos de que te­mos cer­tas li­ber­da­des, mas quando ana­li­sa­mos os mi­cro­pro­ces­sos ve­mos que a li­ber­dade lingüís­tica nom existe”

E isso que era unha mos­tra de alu­nado com cons­ci­ên­cia so­bre te­mas lin­guís­ti­cos, nom é? 
Claro, nom era re­pre­sen­ta­tiva do alu­nado, só era umha mos­tra de ra­pa­zes e ra­pa­ri­gas que so­frê­rom fa­lando ga­lego ou que qui­gé­rom falá-lo e nom pudérom. 

A que cha­ma­vam ‘es­pa­ços se­gu­ros’? 
Para elas, som es­pa­ços tran­qui­li­za­do­res e li­vres e de­fi­niam-nos com di­fe­ren­tes ad­je­ti­vos que con­tras­tam com a hos­ti­li­dade que há fora. Por exem­plo, as re­des so­ci­ais fô­rom pre­cur­so­ras como es­pa­ços se­gu­ros, ou tam­bém as­so­ci­a­çons de ga­le­go­fa­lan­tes, onde con­cor­rem com ou­tras pes­soas que tam­bém fa­lam ga­lego… mas é ra­rís­simo, ra­rís­simo, ra­rís­simo que al­guém te­nha que bus­car um lu­gar se­guro para fa­lar a lín­gua do seu país, e mais quando essa lín­gua é ofi­cial. Isto é umha ques­tom muito es­pe­cí­fica do ga­lego, a ní­vel global. 

Qual é a re­fle­xom que fas tu ante esta par­ti­cu­la­ri­dade? 
Pois que há muita hi­po­cri­sia. Estám con­ven­cendo-nos de que te­mos cer­tas li­ber­da­des, mas quando ana­li­sa­mos mi­cro­pro­ces­sos deste tipo, ve­mos que es­sas li­ber­da­des, como neste caso a li­ber­dade lin­guís­tica, nom exis­tem. Para este seg­mento de po­pu­la­çom, nom existe o bi­lin­guismo cor­dial nem essa li­ber­dade, por muito que le­gal­mente sim a po­suam. Há mi­cro­pro­ces­sos co­ti­di­a­nos, a pró­pria re­a­li­dade, que in­fluem muito mais nas nos­sas li­ber­da­des do que o dis­curso ofi­cial. Afinal é umha con­tra­di­çom que tam­bém têm as pró­prias in­for­man­tes: “No li­céu nin­guém me proi­bia fa­lar ga­lego, mas nom o fa­zia por isto, isto e isto”. Explicavam mui­tas ra­zons, mas a re­a­li­dade é que nom po­diam fa­lar ga­lego no li­ceu. Nom fai falta umha fi­gura que o proíba, já existe um corpo so­cial que o fai. 

A dis­cri­mi­na­çom ou vi­o­lên­cia exer­cida por mo­ti­va­çons lin­guís­ti­cas nom é de­fi­nida cla­ra­mente, como sim po­dem sê-lo ou­tros ti­pos de vi­o­lên­cias e dis­cri­mi­na­çons. Pensas que há que de­fi­nir isto de forma ofi­cial? 
Sim, esta é umha das con­clu­sons mais evi­den­tes que sur­gí­rom mais rá­pido na in­ves­ti­ga­çom. As pes­soas in­for­man­tes ti­nham muita von­tade de con­tar o que pas­sá­rom e os ata­ques que so­frê­rom por fa­lar em ga­lego. Mas nom sa­biam como de­fi­nir es­ses ata­ques, en­quanto sim sa­be­riam de­fi­nir um ata­que ma­chista ou xe­nó­fobo. Elas da­vam mui­tas vol­tas a isso, di­ziam “me­xem com nós por­que fa­la­mos ga­lego”, “foi as­sim toda a vida”, “som cou­sas da cul­tura da gente”… Falta muito por de­fi­nir deste ata­que ga­le­gó­fobo e deste ata­que glo­tó­fobo, e isto de­ve­ria ser es­tu­dado, re­co­lhido, e no­me­ado para desestigmatizá-lo. 

Até onde pode che­gar o ne­o­fa­lan­tismo? Pode re­ver­ter to­dos es­tes pro­ces­sos? 
É ló­gico pen­sar que quem pode sal­var o ga­lego som as pes­soas ne­o­fa­lan­tes, por­que as fa­lan­tes tra­di­ci­o­nais som cada vez me­nos. Isto é uma cousa que se pas­sou mui­tas ve­ces; eu te­nho 63 anos e som ne­o­fa­lante, e mui­tos dos gran­des li­te­ra­tos e li­te­ra­tas ga­le­gas tam­bém o fô­rom. Temos que ten­der mais a fa­zer po­lí­ti­cas fo­cando nes­tes pro­ces­sos e me­nos po­lí­ti­cas es­tru­tu­rais, por­que som afi­nal es­tes mi­cro­pro­ces­sos que su­ce­dem no plano da re­a­li­dade os que nom fi­cam re­co­lhi­dos ofi­ci­al­mente. Seguimos com as ideas da li­ber­dade lin­guís­tica, com a es­co­lha da lín­gua e todo isso… Fai falta umha mu­dança sé­ria, e nom só por­que o diga a mi­nha in­ves­ti­gac­çom. Também o di, por exem­plo, o es­tudo do CEIP Agro do Muíño do Seminario de Sociolingüística da RAG. Eu cada vez des­con­fio mais dos inqué­ri­tos e mesmo dos ma­pas so­ci­o­lin­guís­ti­cos. Haveria que com­ple­men­tar es­tes es­tu­dos com in­ves­ti­ga­çons ba­se­a­das na ob­ser­va­çom da re­a­li­dade, que te­nha em conta as opi­ni­ons e as sub­je­ti­vi­da­des das pessoas. 

Algum acrés­cimo mais? 
Que para nada quero ser pes­si­mista so­bre o fu­turo da lín­gua ga­lega, nem soar ca­tas­tro­fista. Fai falta muita au­to­cons­ci­ên­cia, mas nom po­de­mos ser tam idi­o­tas como para dei­xar mor­rer a nossa lín­gua as­sim sem mais nem menos. 

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