Em janeiro de 1979, a unidade de Alumina-Alumínio de Sam Cibrao, propriedade da empresa pública INESPAL (Industria Española de Aluminio), iniciava a produçom de alumínio eletrolítico. Na altura faltava ainda completar a construçom do porto comercial –cessom exclusiva da autoridade portuária–, que nom acabaria até março de 1980. Com dous diques de 942 e 1.129 metros de comprimento e zona de manobra de 420.000 metros quadrados, a infraestrutura estava desenhada para alojar naves de até 60.000 toneladas. O rei Juan Carlos I e a rainha Sofia fôrom os encarregados de inaugurar em outubro de 1980 o complexo industrial, que atingiu a sua plena produçom em 1981.
Culminava assim um processo iniciado em 1972, quando nasceu o anteprojeto que situava a unidade fabril em Vila Garcia de Arouça. A pressom popular desbotou rapidamente esta opçom e foi em 1974 que o Conselho de Ministros colocou a fábrica de alumínio no território que divide os concelhos de Jove e Cervo –ainda que a entrada está em Sam Cibrao, a maior parte do complexo está localizada no concelho jovense-. “Na altura o presidente era Calvo Sotelo e foi quem, por causa da oposiçom dos mariscadores da Arouça, decidiu trazer a fábrica para a costa de Lugo. Estudárom desde Ribadéu até ao Vicedo e pareceu-lhes que este era o sítio mais idóneo, e foi assim como começou a história”, relata Jesús López, alcalde de Jove desde 1975 até 2007.
E a história começou, e as coisas começárom a mudar muito rápido. A Marinha passou dumha economia baseada exclusivamente na exploraçom agrícola e a atividade marinheira a um tecido industrial dominado pola fábrica de alumínio. “Antes da fábrica vivia-se quase exclusivamente do mar, a gente ia ao bonito ou ao bocarte e só umhas 20 famílias do concelho podiam viver da terra”, lembra López. O dinheiro começou a fluir primeiro com a compra dos terrenos. Alumina-Alumínio ia precisar de 500 hectares, dentro das quais entraria o complexo industrial, o porto, o encoro de água de rio Covo, a bacia de retençom de resíduos –lama vermelha–, a subestaçom de energia elétrica, os escritórios gerais, os refeitórios, os laboratórios centrais e os obradoiros.
“O dos terrenos foi umha autêntica vergonha, queriam a 30 ou 50 pesetas o metro como máximo, e o governador chamou-me para que facilitasse a compra. Eu reuni-me com os vizinhos e chegamos ao acordo de que, se vendiam a 200 pesetas o metro, vendiam todos. A empresa nom aceitou e começou a negociar individualmente com cada um, chegárom mesmo a comprar por 500 pesetas o metro”, detalha o ex-alcaide. O grupo promotor estava formado pola Endasa (Empresa Nacional del Aluminio), Alugasa (Aluminio de Galicia, S. A.), Unión Fenosa e diferentes entidades bancárias. As suas negociaçons virárom polémicas quando as pessoas que cederam antes à pressom acabárom por receber menos dinheiro que aqueles vizinhos que negociaram mais tempo. Entre as 3.000 propriedades vendidas há que incluir também aquelas nas que instalariam a dupla linha de alta tensom –até 410.000 vóltios– que comunica a central térmica das Pontes com o complexo. “Lembro muito bem que os cabos passavam entre as casas e a vizinhança mobilizara-se muito, colocara-se no meio para impedir o passo das máquinas, e a Guarda Civil acudira lá para os tirar”, conta Demetrio Salgueiro, sucessor de López no Concelho.
Um Far West galego
As obras do complexo requereram do trabalho de 20.000 pessoas. As paróquias anexas à construçom experimentárom umha revoluçom com as casas particulares a se reconverterem em pousadas para acolher pessoas de todos os pontos do País. Anexos de nova construçom, barracons e até caboços feitos dormitórios improvisados. “Aquilo parecia o Oeste, nom havia concelho que nom tivesse gente a trabalhar lá, e muitos ficárom cá na fábrica depois da obra”, brinca López.
E assim, essa paisagem de praias, leiras e marismas que ocupava a fronteira entre a paróquia de Lieiro (Cervo) e Lago (Jove) foi abalada por umha construçom que demorou 5 anos –um ano mais do programado– durante os quais fôrom voados 10.000.000 metros cúbicos de pedra e enchidos 10.000 metros quadrados de areais para fazer sítio a um gigante de alumínio com umha necessidade de consumo elétrico de 4500 milhons de Kilowatios por ano. Isto, na altura, supunha 50% do total de consumo elétrico de toda a Galiza.
Paralelamente à unidade de Alumina-Alumínio nascérom dous projetos desenhados precisamente para abastecer esta nova demanda elétrica. Por um lado, estava a central nuclear de Regodela, um plano vinculado à fábrica que nunca chegou a se materializar. Em 1973, o plano prometia “quase 100.000 milhons de pesetas e trabalho para duas mil pessoas”. Nesta etapa seródia do franquismo, a associaçom cultural Sementeira de Viveiro animou a açom política. Celebrarom-se grandes marchas desde a vila até Jove, em 1974, 1977 e 1979. Perante a pressom popular de milhares de pessoas, a Administraçom local decidiu nom expedir licença ao projeto, freando a instalaçom. “Nom sabíamos nada da nuclear, estávamos com os olhos fechados e a gente começou a mover-se. Sobretudo o BNG, tinha umha informaçom que nom tínhamos nós e começou a falar com os vizinhos. Eu tratei de me informar e foi com essa informaçom que decidi nom dar-lhes a licença de obra”, narra López.
Perante o fracasso da nuclear, a central térmica das Pontes apareceu como a opçom mais válida para nutrir de energia à fábrica. Atualmente, dous dos quatro grupos eletrógenos estám exclusivamente destinados à Alcoa. Isto é, metade da produçom das Pontes é dirigida à indústria produtora de alumínio, umha indústria que na altura chegou a empregar quase 2.000 pessoas e da que, a dia de hoje, vivem 980 empregos diretos e mais de 600 empregos indiretos.
O sistema digestivo da máquina
O pessoal da empresa, propriedade da multinacional estadunidense Alcoa (Aluminum Company of America) desde 1998, é distribuído por duas fábricas: Alumina –onde a bauxite é descarregada e convertida em óxido de alumínio– e Alumínio –onde este óxido é processado e transformado em alumínio mediante a eletrólise–.
A cor óxida tam caraterística da fábrica é devida à Alumina, onde os principais materiais som a bauxite, a soda cáustica, o ácido sulfúrico e a cal. “Aí é a zona de digestom, é tal qual o corpo humano”, explica Abilio Benito Calvo, ex trabalhador de fábrica. Como um prato de comida, a bauxite chega carregada em grandes buques de grande envergadura que chegam –principalmente– desde a Guiné-Conacri para serem mastigados na ‘moagem’, onde o material é triturado até se converter em pó. Logo vai à digestom, onde passa por diferentes tubagens e depósitos para ser misturado com materiais como soda cáustica, cal ou ácido sulfúrico, que separam o alumínio da bauxite. Depois da digestom, o material é expulso –tanto o óxido de alumínio quanto a lama vermelha que fica como resíduo– por uns tapetes rolantes.
A alumina, ou óxido de alumínio, é um pó de cor branco ou cinzento –quanto mais seco, mais branco– que é levado até aos 512 tanques de eletrólises. Já a lama vermelha é transferida para a bacia de resíduos. As medidas no processo som exatas: por cada 4 toneladas de bauxite, som subtraídas 2 toneladas de alumina que, umha vez processadas, darám 1 tonelada de alumínio.
Umha vez na fábrica de Alumínio ‑a área de cor cinzenta‑, a alúmina é armazenada em dous grandes silos que repartem o material em distribuidores. Estas máquinas funcionam com uns cilindros que introduzem automaticamente a alumina dentro do tanque. “Antigamente a alumina metia-se com umhas pontes de carga, mas agora utilizam distribuidores. É mui perigoso porque nos tanques de eletrólise pode chegar a haver umha intensidade de até 1000 amperes, assim que nom deve haver contato entre os dous tanques, dentro das quais a alumina é fundida a, aproximadamente, uns 800 graus centígrados”, explica Calvo.
No início da sua atividade, porém, o processo industrial nom estava tam afinado, e era habitual que os tanques provocassem problemas. “Antes nom existiam os distribuidores e devia haver um trabalhador ‑o empregado responsável polo tanque, chamado de «cubista»– que tinha que calcular as quantidades. Se algo nom corria bem, subiam gases e cumpria meter eucaliptos para que consumisse o gás”, lembra o ex trabalhador. Esses primeiros testes também os lembram os vizinhos de Lago, quem nos primeiros anos assistiam assustados a grande presença de emissons. “Começárom a funcionar sem medidas de correçom, sem filtros, e aquilo queimou tudo, queimavam os eucaliptos como se fossem papel. Foi terrível”, declara Jesús López.
Umha vez finalizado o processo de eletrólise, o líquido é aspirado desde a ponte polo que chamam de ‘bolsa de colada’, que é a encarregada de deitar o conteúdo numha tomba mais grande para levar a fundiçom. Já em fundiçom, o alumínio é aquecido de novo para elaborar as ligas metálicas com ferro, titânio, zinco… “O que pida o comprador, o alumínio pode ser feito em lingotes pequenos de 2 quilos, em pranchas longas de até 2000 quilos ou mesmo de 10 toneladas”, indica Abilio, quem trabalhou vinte anos na fábrica como oficial no obradoiro central, no departamento de anexos e no de eletrólise.
Portas, janelas, telhados, carros ou mesmo tampas de iogurtes. A exceçom da Alumínios Cortizo, o alumínio de Sam Cibrao é enviado quase na sua totalidade para fora do tecido económico da Galiza. Fábricas de Granada, Alicante, Amorebieta ou, mesmo, outros países, recebem o material através de barco, camiom ou comboio. Segundo os dados da própria empresa, a Alcoa Sam Cibrao produz arredor de 1,5 milhom de toneladas de alumina e 250.000 toneladas de alumínio por ano que vam destinados ao mercado estatal –60%– e além do estado espanhol –40%, principalmente países europeus e asiáticos–.
Calor, soda e trabalho
Para se chegar a conseguir estes níveis de produçom, é necessário o trabalho de centenas de operários em turnos de 8 horas –de 6 a 14 horas, de 14 a 22 horas e de 22 a 3 horas–. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. O ritmo de produçom nom para nunca, já que os tanques de eletrólise nom deixam de funcionar em nenhum momento. No caso das empresas auxiliares, empregadas principalmente em tarefas de manutençom, o cômputo de horas pode ascender até doze. Altas temperaturas, espaços confinados, exposiçom a gases, charcos de soda cáustica no chao… Esses som apenas algumas das coisas que viveu R.C.L. como trabalhador eventual de TECRASA, empresa auxiliar especializada em cimento refratário.
“Nós mudávamos o cimento refratário dos tanques de calcinaçom no meio de paragens de 15 ou 20 dias. Eu cheguei polo INEM, sem qualquer experiência nem especializaçom, só tinha o Bacharelato. Tiravam o produto do tanque e abriam as comportas até que se registasse umha temperatura aceitável, uns 30º, e daquela entrávamos picar com o martelo pneumático”, conta o moço, que tinha 20 anos na altura daquele contrato.
Entre as enfermidades mais frequentes entre as pessoas que trabalham na Alcoa encontram-se os problemas de pele –por exposiçom a químicos no ambiente– e as doenças reumáticas e articulares. “Penso que quase 60% do pessoal tem algum problema de cervicais, ajudam as más posturas e os movimentos repetitivos, carregar sacos… Eu mesmo tive que passar de trabalhar a eletrólise a anexos por umha lesom num braço”, afirma José Manuel Pena Abeijón, trabalhador da fábrica desde 1989 e delegado sindical da CIG. Abilio Calvo, por sua vez, também tivo de sofrer situaçons de risco como trabalhador da manutençom e bombeiro da fábrica.“Desde a reparaçom de tanques em que tens que trocar o picador enquanto funciona, a 700º, até tratares de eventuais incêndios na fábrica ou fugas de soda cáustica”, enumera.
Estas condiçons de trabalho nom fôrom, no início, equiparadas com umha recompensa salarial equivalente. “Muitos dos trabalhadores que iam ao mar e ficárom na fábrica quando abriu ganhavam muito menos do que ganhavam no mar, pode que umha quarta ou quinta parte”, disse Demetrio Salgueiro, alcaide de Jove. Com o passar dos anos, isto foi mudando graças à pressom sindical exercida polo pessoal da fábrica. “Isso deve-se às demandas, claro, aumentar os salários e melhorar as condiçons, a gente fazia força e tínhamos melhores convençons”, frisa José García González, trabalhador da manutençom na Alcoa desde 1991. A presença de operários chegados de outros pontos da península –Astúrias, Cantábria, Castela…– ajudárom a criar os alicerces dumha cultura sindical que nom existia previamente na contorna.
Da Inespal à Alcoa, por 19 mil milhons de pesetas
No ano 1998 tornou-se efetiva a compra da Inespal pola multinacional estadunidense Alcoa. Por umha soma de 19.000 milhons de pesetas, as fábricas de alumínio de Avilés, A Corunha e Sam Cibrao passavam a ser capital americano. Esta mudança trouxe, principalmente em termos de segurança, inovaçons à fábrica marinhá. Dentro dos seus protocolos internos, o novo dono da fábrica começou a aplicar reforços nas áreas menos protegidas no que toca à questom dos riscos profissionais: espaços confinados, trabalhos em alturas, proteçom em máquinas e consignaçom (certificaçom de que as máquinas nom têm energia quando se trabalha com elas). Além disto, a planta de Sam Cibrao incidiu na formaçom dos trabalhadores –do próprio pessoal ou contratantes– e a estandardizaçom e melhora de processos e atividades. Explosímetro, fatos de segurança, cursos de formaçom, luvas, óculos integrais, duplo bote de difoterina –neutralizador da soda cáustica–, luz própria, observadores durante os trabalhos de manutençom… Tudo isto já existia ou foi aumentado durante as últimas décadas e, contudo, existem algumas discrepâncias entre os funcionários na hora de avaliar esta melhoria nas suas condiçons de trabalho.
Por um lado, operários como Abilio Calvo garantem que nunca receberam pressons para deixarem de atender os protocolos, e outros como R.C.L. apontam que nom é possível saltar as normas se nom é conscientemente. Contudo, existem também testemunhas que apontam o contrário. “Há suficientes normativas, sendo que por vezes parecem excessivas porque se contradizem e logo, quando nom há apuro, vai tudo bem, mas outras vezes por necessidade de produçom essas normativas som ignoradas porque a gerência fecha os olhos e pedem-che para resolveres o problema, seja como for”, relata García González. Concorda com ele José Manuel Pena, quem sinala que “a teoria está muito bem, mas na prática é diferente, e quando há apuro o primeiro que se deixa de fora é a segurança, deram-se muitos casos”.
Para além destes debates acrescem as demandas comuns dos sindicatos, que têm a ver com a reduçom do pessoal. “Quando eu entrei éramos cerca de 1.600 e agora estamos em 980. Menos pessoas fazemos o mesmo trabalho. Aumenta, de fato”, lamenta Pena Abeijón. Da CIG também destacam a falta de investimentos, que nom semelha mudar nem quando o preço do alumínio sobe. “Há pontos críticos, sobretudo em eletrólise, fundiçom e elétrodo, que precisam dumha soluçom», resume.
Além disto, a questom principal que nestes meses se colocou acima da mesa foi o encerramento das fábricas da Corunha e Avilés, e como este poderá influir sobre a fábrica de Sam Cibrao, a única do grupo que ficará aberta no Estado. Segundo as últimas negociaçons, há um pré-acordo para a transferência de 106 trabalhadores –53 da Corunha e 53 de Avilés– para as duas unidades de Sam Cibrao e Jove. Perante essa decisom, o comité de empresa explica que está disponível para aceitar o que for desde que isso nom signifique a destruiçom dos postos de trabalho atuais. “a Alcoa atuou de má fe porque nos deu umha carta que nom nos corresponde, nós nom estávamos na mesa de negociaçom e meteu-nos um ERE encoberto em Sam Cibrao”, critica Pena Abeijón, quem vê que a inclusom destes novos trabalhadores significará o fim dos despedimentos voluntários a contratos relevo para os trabalhadores das ETT –arredor de 80 pessoas–, eventuais e bolseiros.
Para já, a maior parte do pessoal e da contorna nom teme um futuro similar às unidades da Corunha e Avilés. A própria multinacional chamou à calma com umha nota no passado 17 de outubro onde assegurava que a fábrica de Sam Cibrao nom seria afetada por nenhuma medida de encerramento, e que a produçom seria reorganizada lá ao ter “umha infraestrutura moderna e mais eficiente, com a unidade de alumina incorporada”. Única no Estado, a Alcoa Sam Cibrao continua a sua produçom vinte e quatro sete, sem pausa mas com a intranquilidade que dá a dependência a umha fábrica que trouxe imensas mudanças à comarca e implica nom só postos de trabalho diretos e indiretos, mas 70% das receitas dos concelhos onde se situa e mais de 30% do PIB bruto da província.