As eleiçons presidenciais do passado mês de janeiro deixárom o resultado esperado: cinco anos mais de Marcelo Rebelo de Sousa na chefatura do Estado português. Mas a atençom nom só estava posta no vencedor: a cita eleitoral serviu para medir a fortaleza da força política emergente da extrema-direita em Portugal, o Chega de André Ventura. E nom só polo seu sucesso eleitoral, mas polo que o fenómeno tem de sintoma e de catalisador da crescente difusom dos discursos de ódio na sociedade portuguesa, os resultados som preocupantes.
Em umas eleiçons marcadas pola pandemia, o passado 24 de janeiro Portugal escolhia presidente da República para os vindouros cinco anos. Nom houvo surpresas no resultado: o conservador Marcelo Rebelo de Sousa ganhou com maioria absoluta, sem necessidade de segunda volta, e ampliando a percentagem de votos respeito à sua primeira vitória. Se em 2016 alcançara um 52% dos votos, desta vez chegou até o 60,7% (com uma participaçom do 39,5%).
Mas, a falta de qualquer suspense sobre quem ia ocupar o Palácio de Belem, a cita eleitoral serviu para medir a força da nova extrema-direita portuguesa. Com quase meio milhom de votos, André Ventura, líder do partido Chega, ficou terceiro (11,93%) a menos de um ponto da socialista Ana Gomes (12,96%). Um resultado que confirma a preocupante linha ascendente que segue um partido que ainda nom cumpriu os dois anos da sua fundaçom.
Com quase meio milhom de votos, André Ventura, líder do partido Chega, ficou terceiro (11,93%) a menos de um ponto da socialista Ana Gomes (12,96%)
Se bem as eleiçons presidenciais apresentam muitas peculiaridades que fazem difícil a comparativa, o auge do Chega é inegável. Nas eleiçons legislativas de 2019, nas que o partido de Ventura irrompeu na Assembleia da República ao conseguir o assento que serviu de trampolim para o seu líder, atingiu uns 67.000 votos. O crescimento é notável e, de seguir assim, as expetativas do partido para o próximo 2023 som grandes.
O principal partido da direita portuguesa, o Partido Social Democrata (PSD) já demonstrou que nom tem inconveniente em chegar a acordos com o partido de Ventura: logo das eleiçons regionais dos Açores, em outubro do passado ano, pactuou-se o por primeira vez o apoio do Chega a um governo do PSD. Graças aos seus dois deputados, a soma de forças de direita permitiu ao candidato do PSD conseguir o poder no arquipélago depois de mais de duas décadas de governos do Partido Socialista (PS).
O principal partido da direita, o Partido Social Democrata (PSD) já demonstrou que nom tem inconveniente em chegar a acordos com o partido de Ventura
Ainda que mais tarde do que noutros países, com o Chega apareceu no cenário da política institucional portuguesa um partido alinhado com os novos movimentos de direita radical que estám a instalar-se em América e Europa, com leves adaptaçons aos seus contextos e eleitorados particulares, mas com importantes traços comuns. Num país no que os partidos de extrema-direita nunca tiveram assento na Assembleia da República desde que a Revoluçom de 1978 acabara com o Estado Novo, o fenómeno chegou com atraso, mas está a medrar a grande velocidade.
O Chega nom é a primeira tentativa da extrema-direita para chegar às instituçons nos últimos anos. O Partido Nacional Renovador (PNR, hoje Ergue-te) tentou-no desde o ano 2000, mas com o seu melhor resultado (nas eleiçons legislativas de 2015) nom chegou nem aos 30.000 votos. Sem abandonar nunca umha posiçom extraparlamentar e marginal, fijo da anti-imigraçom o seu argumento principal e conseguiu aglutinar diversos movimentos de extrema-direita .
Umha das múltiplas razons que podem explicar as causas de que o Chega conquistasse um espaço e umha relevância até há pouco tempo inacessível para a extrema-direita é a projeçom mediática do seu líder André Ventura. Ventura, de 38 anos, procede do PSD, partido polo que se apresentou em 2017 às eleiçons à Câmara Municipal de Loures. O seu meteórico passo ao centro da cena política nacional nom se entende sem a sua grande visibilidade nos médios, conseguida graças ao seu trabalho como comentador desportivo (como adepto do Benfica) e as suas declaraçons incendiárias.
Referentes como Trump, Bolsonaro ou Salvini som evidentes no discurso e na estratégia comunicativa do Chega, da que foi um bom exemplo esta última campanha eleitoral, que arrancou precisamente com umha visita de outra das caras internacionais da extrema-direita, a francesa Marine Le Pen.
Objeto de constante atençom por parte dos médios, a campanha do Chega deixou várias mostras do venenoso ideário que trouxo à vida pública portuguesa. “Comigo nom há a história do presidente de todos os portugueses”, declarou Ventura à imprensa no que pode considerar-se um bom resumo das suas intençons. Migrantes, LGBTI ou esquerda política e social som alvos habituais do seu discurso de ódio.
O ascenso de Ventura nom se entende sem a sua grande visibilidade nos médios de comunicaçom
A sua misoginia também ficou patente quando, em referência à candidata e eurodeputada do Bloco de Esquerda Marisa Matias dixo num ato de campanha que “nom está muito bem em termos de imagem, de performance. Assim com os lábios muito vermelhos como se fosse uma cousa de brincar”. A resposta de repulsa à provocaçom de Ventura passou as fronteiras do país e a campanha em redes #VermelhoemBelém (com milhares de pessoas a fotografarem-se com os lábios pintados de vermelho) chamou a atençom para a preocupante emergência do Chega em Portugal.
O anticiganismo é outro dos seus temas recorrentes. Já no PSD, quando era vereador em Loures, fijo dos seus ataques à comunidade cigana do município um dos seus sinais de identidade. Há uns meses, no contexto da emergência sanitária pola pandemia, propujo a aplicaçom de um plano de confinamento específico para as comunidades ciganas. E nesta última campanha eleitoral dixo da candidata Ana Gomes, a quem definiu como “a representante fiel das minorias que nom trabalham e dos coitadinhos que clamam o racismo dos portugueses”, que “numha certa metáfora, é a candidata cigana destas presidenciais. Eu som o português comum”. “Com muito orgulho”, respondeu Gomes.
Organizaçons antiracistas venhem denunciando nos últimos meses umha escalada de episódios de ameaças e ataques que relacionam com a normalizaçom da difusom do discurso racista do Chega
Mas os discursos racistas nom estám a ficar só nos insultos e o país viveu o passado ano vários episódios preocupantes. Organizaçons anti-racistas venhem denunciando nos últimos meses umha escalada de episódios de ameaças e ataques que relacionam com a normalizaçom da difusom do discurso racista do Chega. Múltiplos episódios de violência policial, o assassinato do ator Bruno Candé ou a celebraçom de umha marcha com máscaras e fachos, ao estilo do Ku Klux Klan, em frente da sede de SOS Racismo em Lisboa no mês de agosto som só alguns dos sintomas de um problema que está a alcançar dimensons mui alarmantes.
A pandemia, oportunidade para a extrema-direita
O passado 15 de fevereiro, as organizaçons antifascistas e anti-racistas ‘Hope not Hate’ (Reino Unido), Fundaçom Amadeu Antonio (Alemanha) e Fundaçom Expo (Suécia) publicavam o seu relatório anual ‘State of Hate’ sobre a situaçom da extrema-direita em Europa, desta vez depois de um ano marcado pola pandemia e pola mobilizaçom internacional contra o racismo à volta do movimento ‘Black Lives Matter’. Os jornalistas Ricardo Cabral Fernandes e Filipe Teles foram os encarregados da redaçom da memória correspondente a Portugal, uma análise na que alertam para os perigos que o país, como toda Europa, encara a curto e meio prazo.
Desde que André Ventura chegou ao parlamento, “o discurso de ódio foi normalizado a níveis nunca antes vistos no sistema democrático português, criando um ambiente propício para a violência racista e de extrema-direita sem precedentes”, denuncia-se no informe.
Mas nom só preocupa o Chega. Para além do partido de Ventura, Cabral e Teles assinalam entre as principais organizações de extrema-direita ativas no país o Ergue-te (partido sem cargos eleitos); o grupo Escudo Identitário, a associaçom Portugueses Primeiro, a organizaçom neonazi Portugal Hammer Skins ou o Movimento Zero, cara visível, especialmente nas redes sociais, da alarmante presença de extremistas de direitas nos corpos policiais.
No informe destaca-se o perigo que supom a “rápida normalizaçom” do Chega neste último ano, nomeadamente com o pacto com o PSD no governo dos Açores, visto como “um primeiro passo para um acordo parlamentário ou coligaçom governamental a nível nacional”, apontam. Agora, a preocupaçom diante deste cenário é a oportunidade de crescimento que a pandemia e as suas consequências económicas podem abrir para os discursos de extrema-direita. “Tentará aproveitar a insatisfaçom, a frustração e o ressentimento” causados pola crise sócio-económica provocada pola Covid-19, vaticinam os autores do informe. “A infiltraçom da ultra-direita nas protestas por melhores condiçons de vida vai continuar”, creem, “e nom podemos descartar a possibilidade de radicalizaçom”.
Entretanto, umha olhada rápida ao programa do Chega revela a verdadeira natureza ultraliberal das suas propostas económicas: em síntese, o desmantelamento do estado social e a privatizaçom total da saúde e a educaçom públicas, enquanto se reduzem os impostos. Os vindouros meses e a evoluçom da pandemia, em Portugal e em boa parte de Europa, apresentam-se decisivos.