Castelao, quem nom cansou de advertir da distância que existia entre a lei escrita nas Constituiçons espanholas e a “Hespanha” real, assinalou também como este desajuste adoitava ser resolvido no Estado através de leis de excecionalidade: “As Leis provisionais e de exceçom som as mais necessárias e permanentes, porque nom se ditam em virtude dos princípios político filosóficos que professam os legisladores, senom em virtude de certos factos ou realidades que passárom desapercebidos…”. E acrescentava: “Estas Leis […] som as únicas que funcionam […] em Hespanha, porque também som permanentes os feitos que as originam”.
Com umha Constituiçom, a do 78, que nom prevê (Pérez Royo dixit) um jeito democrático de reforma através dos seus próprios mecanismos, a necessidade no Estado espanhol de recorrer a medidas excecionais acabou por se institucionalizar, bem através da monarquia (teoricamente parlamentar), bem através da Audiência Nacional ou bem, como no presente, através de figuras que surfam o direito como o juiz Llarena.
Antes que Castelao, em meados do século XIX, o conservador espanhol Donoso Cortés, que passa por ser o pioneiro na teorizaçom da excecionalidade, escreveu, revestindo de ar de cruzada (cousa frequente na reaçom espanhola) o que nom era mais do que a apelaçom à força frente à razom: “Quando os que obedecem se insurrecionam contra os que mandam […], nom será necessária a omnipotência para que se salve a sociedade inteira comovida nos seus cimentos?”
Para Donoso, a exceçom que interrompia o fluir da lei era semelhante ao milagre da tradiçom cristá. Umha irrupçom divina que restabelecia a ordem desde mais além do direito.
Walter Benjamin chegou à conclusom de que, além das ilusons liberais, o que imperava na história nom era a lei, senom a exceçom
Inspirado por Georges Sorel, e pola sua ideia da greve geral revolucionária, bem como por Carl Schmitt – aluno, por sua vez, de Donoso Cortés –, Walter Benjamin chegou à conclusom de que, além das ilusons liberais, o que imperava na história nom era a lei, senom a exceçom. Benjamin, quem padeceu a época da emergência do nazi-fascismo, foi testemunha privilegiada, e vítima, de um tempo em que a exceçom se convertera na norma.
Mas, em paralelo, Benjamin também desenvolveu a sua própria ideia de exceçom: a do tempo messiânico. O tempo em que os dominados conseguem travar o decorrer da história e do direito para instaurar um novo reino, umha nova ordem, além das leis existentes.
Acho todas estas reflexons mais úteis para entender o que acontece no presente na relaçom entre a Catalunha e Espanha que cem tratados sobre legislaçom, jurisprudência e constitucionalismo.
A situaçom autenticamente política produz-se quando umha nova legitimidade irrompe esfarelando a ordem legal vigente. Reconhecer que esse é o cerne do assunto e tratar de dar-lhe umha via razoável e democrática – por exemplo consultando o povo que demonstra capacidade de desestabilizar o Estado – é o único jeito de evitar o fatal desenlace que conduz a que a razom de Estado do Deus de Donoso e a esperança no porvir do Messias de Benjamin, se enfrentem diretamente com base na sua respetiva e desigual força bruta.