
De cheio no olho do furacám, onde se expandem os discursos fascistas, a pobreza normaliza-se e os estragos de umha globalizaçom neoliberal começam a ser palpáveis na vida quotidiana, nom é estranho que, ainda nos lugares em que as práticas de resistência nom fôrom tam visíveis como pode ser no caso da Galiza, os projetos artísticos independentes comecem a ter força e a tornar-se indispensáveis perante a necessidade de conhecer e lembrar outras histórias possíveis e alternativas às hegemónicas.
Quiçá isto poida explicar a apariçom de correntes de alcance internacional como é o Novo Cinema Galego, que se forma a partir dumha série de práticas cinematográficas que procuram “transitar do global para o local, e que a atençom e o pensamento caia no Novo Cinema Galego, tocando este campo do xeito mais científico possível, e tratando a informaçom com rigorosidade e metodologia”.
Neste contexto de exaltaçom artística surge O Salto, um documental de Adrián González (As Neves, 1996). “O Salto recolhe a mobilizaçom social que houvo contra umha barragem que iam fazer entre As Neves e Arbo no tramo transfronteiriço do rio Minho nos anos 80 e que ia anegar quilómetros e quilómetros de terras, mudar o ecossistema, e ia afetar a toda a cultura dessa zona ao redor da pesca da lampreia, toda a gastronomia e economia que se move ao redor disso”, comenta o diretor.
O documentário O Salto de Adrián González (As Neves, 1996) recolhe a mobilizaçom social que houvo contra umha barragem que iam fazer entre As Neves e Arbo nos anos 80
Ao longo de cinquenta minutos, através de testemunhos e imagens, podemos conhecer em profundidade a história do projeto que nasce na última etapa do franquismo e que procurava construir um encoro para gerar energia elétrica. Num primeiro momento, Fenosa, a empresa que lançou o projeto, gabou-se perante os políticos e as comunidades da zona implicada de que o encoro geraria empregos, riqueza e melhoraria as conexons. Mas logo se descobriu a outra cara da moeda e o que no principio parecia um milagre caído no rural galego, tornou num processo de expropriaçom de terras e de um alarmante quebrantamento do ecossistema da zona. Ainda assim, por parte do Estado nom houvo nengumha objeçom e o projeto seguiu em marcha.
Esta aleivosia tam comum por parte das empresas e governos que priorizam os investimentos industriais ainda quando estes implicam a vulnerabilidade de comunidades inteiras e a violaçom dos recursos naturais, foi rapidamente assinalada pola populaçom das aldeias da zona; a organizaçom social foi iminente a pesar do contexto político. O Salto lembra-nos que mesmo num tempo em que parecia que se tinha deixado um campo ermo para cultivar práticas de resistência, podem-se encontrar mobilizaçons sociais que defendem e valoram a vida sobre a ideia do lucro económico.

E é que as repercussons da construçom de um valado de cimento no meio do rio significava que as aldeias pesqueiras e produtoras de vinho ficassem sem matérias primas para subsistirem, já que o número de peixes diminuiu drasticamente, e o microclima teria mudado de tal forma que as vinhas morreriam e varias terras ficariam anegadas.
O Salto lembra-nos que mesmo num tempo em que parecia que se tinha deixado um campo ermo para cultivar práticas de resistência, podem-se encontrar mobilizaçons sociais que defendem e valoram a vida
Acampadas, manifestaçons, incluindo umha que percorreu o rio Minho até a sua desembocadura e que organizava charlas informativas sobre as implicaçons do encoro em cada aldeia pola que passavam; e também umha performance em que as pessoas encadeavam-se à ponte que cruza o rio, som só algumhas das formas de protesto que Adrián González documentou, contextualizando-as através de testemunhos e avaliaçons de especialistas. “Porque si só dis ‘sim, houvo um monte de manifestaçons, de protestos…’ mas nom explicas por que eles tinham tanto interesse em que esse embalse nom se figesse, pois a gente nom entenderá a importância dos recursos que achega o rio nesta zona”, explica Adrián quando fala das linhas discursivas que trabalhou para que o documental fosse, também, umha ferramenta de denúncia.
Graças ao documentário, podemos ser testemunhas de que, ainda a luita ter durado mais de 20 anos, as pessoas persistírom e pressionárom os políticos locais e estatais de tal forma que o projeto do encoro foi revogado. Contodo, a vitória, que ainda vive na memória das aldeias através de testemunhos e relatos orais, hoje pode-se pôr em dúvida.
No ano 2000, a Secretária de Meio Ambiente estimou que “o projeto nom é ambientalmente viável ao considerar que produziria impactos ambientais negativos irreversíveis sobre o meio natural, socioeconómico e histórico-cultural”. Ainda assim, e desde esse momento, Fenosa nom retirou o dedo da linha e continua a apresentar o mesmo projeto com algumhas alteraçons para persuadir aquelas instituiçons responsáveis de darem um falho ao seu favor, argumentando que o encoro significaria um avance industrial e económico para a Galiza. Esta situaçom continua a deixar na incerteza todas as comunidades que algumha vez dérom por ganhada a guerra contra o Salto de Sela, nome que levaria o encoro.
Fronte a este panorama, projetos como O Salto, resultam indispensáveis para fazer um exercício de memória que nos ajude a lembrar que a organizaçom social nom só é umha prática eficaz, senom também fundamental para fazer frente aos problemas impostos polos gigantes políticos e económicos, quem nom deixarám de desposar a natureza e as povoaçons se estas estám no meio do caminho cara à acumulaçom de capital.

A vontade de implicar-se na defensa da vida nom está extinta. De diferentes partes do mundo e de mil modos distintos, milhares de projetos comprometem-se a participar na mudança. Um exemplo disto é O Salto, um esforço que Adriám González conseguiu levar adiante sem orçamento. Agora, com o documentário rematado, o diretor afirma ter especial interesse em promover e projetar o seu trabalho nas zonas rurais e nos institutos da Galiza.
“O principal objetivo do documentário som as pessoas da zona, da comarca. Muita desconhecia o tema mas fai-se também como homenagem a eles. Sobretodo para as geraçons novas, para terem conhecimento e compromisso com o seu entorno. Neste novo movimento pola mudança do clima o primeiro que tés que defender é o lugar onde vives tu. É dizer, se nom podes atuar na Amazónia porque nom podes mudar nada de onde estás, no mínimo podes mudar o teu entorno. Essa é a ideia de projetar o documentário nesas zonas, para que digam: foder, temos esse património, essa fonte de riqueza, que neste caso é o Rio Minho, há que protegé-lo porque hai trinta anos puido-se perder tal como o conhecemos agora. Mas um dos nossos objetivos é apresentá-lo nas escolas, nos institutos. Apresentou-se nos institutos públicos das Neves, num de Portugal… e queremos seguir com isso para que o estudantado saiba do valor de seu entorno”, comenta Adrián González.
Neste novo movimento pola mudança do clima o primeiro que tés que defender é o lugar onde vives tu. É dizer, se nom podes atuar na Amazónia porque nom podes mudar nada de onde estás, no mínimo podes mudar o teu entorno.
Ainda que pareça que as políticas neoliberais tenhem conquistado com umha insaciável fame todos os recantos do planeta, e que continua a avançar com passo imparável, temos que seguir a construir espaços coletivos para organizar-nos, como nos deu o exemplo fai 50 anos a vizinhança de Arbo e As Neves. Por isto, encontrar outro tipo de histórias, de vozes, de imagens em que nos poidamos ver representados ou que nos interpelem lembrando-nos que outro tipo de vida é possível resulta fundamental. Quando as instituiçons do Estado deixam às claras que já nom velam polos nossos interesses, nom podemos esperar que alguém venha a defender-nos. Faremo-lo nós.