Os paradoxos som premissas aparentemente verdadeiras, mas que levam a contradiçons na sua definiçom. Em muitas ocasions as trabalhadoras da cultura vem-se envolvidas em situaçons paradoxais, nomeadamente, quando se trata de relaçons laborais ou políticas, como sucedeu trás as declaraçons do ministro de cultura espanhol durante o estado de alarma pola COVID-19 e a posterior convocatória e desconvocatória da greve de conteúdos em linha do setor, por nom tomar medidas concretas ou planificar partidas orçamentárias específicas para o setor cultural.
Desde um ponto de vista marxista, a cultura forma parte da superestrutura, determinando a consciência social que agroma graças à estrutura material que conformam as relaçons de produçom. Sendo assim, numha estrutura de relaçons de produçom capitalista, a cultura (superestrutura) estaria determinada por essa base capitalista. Como resume Antón Dobao “Daquela, numha sociedade de classes toda arte é classista. Num sentido ou noutro”.
Esta definiçom fai ficar a cultura na situaçom paradoxal que mencionamos no início, como um setor livre e predeterminado ao mesmo tempo: fora das relaçons de produçom, tal e como todo trabalho ideal deveria ser para Marx (a essência do ser humano que lhe permite desenvolver ao máximo as suas capacidades e cumprir um papel na sociedade); mas ao mesmo tempo, a cultura e a arte estám supeditadas aos ditados da estrutura capitalista, enquanto nom se dê o câmbio social.
Com esta base cabe preguntarmo-nos: em que medida a greve de conteúdos em linha foi pertinente como protesta pola desconsideraçom do ministro? Eagleton na sua obra Cultura diferencia entre civilizaçom como algo funcional, frente da cultura que nom o é, mas também admite que as atividades que nom tenhem funçom (jogos, prazer, arte) som tam necessárias como as funcionais, isto é, tenhem um valor: as obras de arte som a um tempo as cousas mais inútiles e duradoiras, escreveu Arendt. A arte e a cultura tenhem um valor muitas vezes na medida em que nos afastam da simples subsistência, à vez que para poder desenvolver-se precisamos ter coberta essa simples subsistência (a nom ser que sejamos umhas românticas ou umhas tolas). Noutra linha distinta, mas semelhante, estava o poeta Maiakovski reclamando-lhe a Staline que informasse da produçom de poemas como informava da produçom de aço e escrevendo versos de acordo com as exigências da Terceira Internacional, tentando recuperar a capacidade criativa extraída polo capitalismo às trabalhadoras.
“A arte e a cultura tenhem um valor muitas vezes na medida em que nos afastam da simples subsistência”
A distância destes argumentos está a crítica de Pasolini a certa cultura contemporânea reduzida a pura indústria do entretimento, afastada dessa arte e cultura criativas que nos abrem outros mundos e alternativas reflexivas mais humanas e existenciais. Segundo esta crítica, a maioria da cultura atual age como um setor produtivo mais em que os produtos teriam um valor de uso e de câmbio, imersa totalmente na estrutura capitalista, afastada de todo movimento libertador e longe de ser umha alternativa ao sistema hegemónico: desordem de mediocridades individuais para Baudelaire, intelectualismo nugalhám em termos gramscianos, gozo imperativo do superego segundo Zizek. Como vemos, muitos autores coincidem nesta diagnose de cultura vazia.
O certo é que ambos tipos de cultura coexistem, a libertadora e contra-hegemónica e a subsidiária e sistémica, e muitas vezes nom o fam dum jeito puro. Entrelaçam-se e misturam-se numha sorte de jogo entre os princípios e a necessidade, a que tanto gosta de nos fazer jogar o capitalismo sistémico. Temos que ser conscientes perante qualquer obra, açom, movimento ou autoria cultural que os seus objetivos e eficácia estám situados num campo sociopolítico, como assinala Isaac Lourido. É neste ponto onde temos que enquadrar a greve de conteúdos digitais em linha. Ao tempo que a arte e a cultura se definem a si mesmas, estám constituindo umha realidade à qual acolher-se (Butler), longe hoje em dia e polo de agora, daquela ideia de unidade de fins e objetivos do trabalho manual e do trabalho intelectual que acaba com a distinçom entre cultura de elite e cultura de massas, presente na Estética da resistência de Weis, no facto de que abrir um caderno para escrever numha oficina ou numha nave de montagem seja um gesto natural.