Thimbo Samb define-se inextricavelmente como ativista e ator. Originário do Senegal, conseguiu chegar ao território espanhol a pé após quatro tentativas. Mas, para ele, o pior nom foi a fatídica viagem de cinco dias no meio do mar, mas a receçom no desembarque. No entanto, a sua trajetória de vida ajudou‑o a construir umha crítica lúcida e corajosa ao racismo que ele gosta de divulgar através do humor no seu canal no Youtube.
Estás há quanto tempo no Estado espanhol? Foi difícil o processo de regularizaçom?
Estou aqui há 14 anos. Cheguei em 2006 e demorei nove anos a conseguir os papéis. Nove anos. O processo foi difícil porque eu era um mantero e a polícia apanhava-me a trabalhar a cada dous ou três dias. Ia acumulando incidentes criminais e depois rejeitavam-me a documentaçom que apresentava. Mas cada vez que ma rejeitavam, eu insistia. No final conseguim, mas foi difícil e demorei nove anos.
Como começaste o teu trabalho criativo?
Tudo começou quando estava a estudar arte dramática e, depois dum tempo, o meu professor disse-me diretamente: «Thimbo, vai ser muito difícil que sejas ator aqui porque neste Estado nom tenhem cultura de ter atores negros. Mas sempre fum mui teimoso e se quero algumha cousa, vou em frente. Como deixei claro que queria ser ator, o que fiz foi criar umha conta no Facebook e no Youtube. Foi quando realmente comecei. O meu objetivo era dar-me a conhecer através de de vídeos risonhos, mas também para denunciar o racismo. Porque também sou ator, mas antes de mais nada, sou ativista.
Para que público te dirigias nesses primeiros vídeos?
No começo pesquisava os vídeos que outras pessoas faziam. Mas o que via era o típico americano ou o típico negro que quer ser americano. Entom eu disse, quero fazer qualquer cousa de diferente, quero fazer algo que me defina, que tenha a ver com a minha cultura. Foi assim que comecei a fazer humor ‘africano’, por assim dizer. O meu público-alvo na altura também era africano, principalmente porque nom tínhamos representantes. Quando vim para este país, nom tinha referência a quem pudesse dizer: identifico-me com ele. Foi por isso que criei o meu personagem, Thimbo, que é muito machista, bobo e ao mesmo tempo inteligente, que adora criar caos. Acho que funcionou porque muitas pessoas africanas identificam e reconhecem em Thimbo, atitudes dos seus pais, avós…
“Acho que o meu personagem, Thimbo, funcionou porque muitas pessoas africanas identificam e reconhecem em Thimbo atitudes dos seus pais, avós…”
E com o tempo, o teu público acabou por mudar?
Felizmente, quando vejo de onde som as pessoas que me seguem, muitas delas som do Estado espanhol. Mas, a maioria som pessoas negras. Em seguida, latino-americanas: México, Argentina… De múltiplas origens, mas, como disse, a maioria continuam a ser pessoas africanas.
Que papel achas que pode vir a ter o humor na discussom sobre o racismo?
Acho que é importante mudar a forma como denunciamos o racismo. Eu nunca tento lutar contra o racismo através das redes porque sei que isso nom me levará a lugar nenhum. Mas sim o denuncio através delas. De que maneira? Ridicularizando‑o, fazendo troça dele. Nos últimos vídeos em que saio para a rua e pergunto às pessoas: “Quando digo África, o que é que vês na tua cabeça?” Eles respondem-me: “animais, terra, pobreza …” Para eles é engraçado e para as pessoas que olham também pode ser engraçado. Mas, na verdade, quando te sentas e olhas para ti mesmo, talvez sintas até vergonha.
Por outro lado, para mim é importante entrar de algumha forma na comédia para que as pessoas podam assistir aos vídeos. Porque estám cansas de ouvirem o típico Chambo (que é o meu verdadeiro nome) a falar mui sério sobre o racismo. Passam de nós. Mas, se o fazes com comédia, as pessoas ficam atentas.
Como passar dessa raiva que gera racismo para a criaçom e o humor?
Muitos dos meus vídeos som baseados em situaçons que eu vivim ou me acontecérom com os amigos. É claro que me causa desconforto, som humano e agora, um personagem público. Quando trato das minhas redes, recebo muitas mensagens de ánimo, mas também mensagens negativas em que me mandam para o meu país todos os dias. Ora, aceito que, quando comecei nisto sabia que isto podia mesmo passar. É difícil, mas penso que se realmente estamos a incomodar, é porque estamos a fazer as cousas bem.
Durante o tempo que levas no território espanhol, tens percebido alguma mudança em relaçom às políticas migratórias ou às condutas racistas na sociedade?
Nom, sim, há umha mudança. Para pior. Quando cheguei aqui, tivem de mudar para poder encaixar. Mas somos sempre nós [xs migrantes] que tentamos adaptar-nos às suas culturas e eles nom estám dispostos a aprender de nós. Muitas vezes dim: o estado espanhol está a melhorar no que di respeito ao racismo Nom. Nós, imigrantes, é que ESTAMOS a melhorar. Estamos a tentar adaptar-nos à sua cultura, mas eles nom estám dispostos a partilhar a nossa cultura com os seus filhos. Nom. E os filhos deles continuarám ignorantes. Porque ninguém nasce racista, as pessoas viram racistas porque é aquilo que aprendérom nas suas casas.
“Eu acho ridículo perguntar: «achas que no Senegal há universidades?” e me responda que nom… É um insulto para mim”
Sobre os teus vídeos em espaços públicos. Como é gravar com as pessoas? É difícil?
Nom é difícil porque hoje todo mundo quer sair na rede. Lembro-me de quando comecei, pensei, vai ser complicado, muita gente vai-nos rejeitar. Mas, nom. Antes polo contrário. A gente quere que a entrevistemos. Tenho pena é dumha cousa, estou completamente certo de que nom se cortariam com as respostas às perguntas que eu lhe fago se fosse branco porque há cousas que tenhem vergonha de me dizer por eu ser negro. E, se eu fosse branco, fazendo esse tipo de perguntas, iriam sentir-se muito mais ridículos. Porque eu acho ridículo perguntar: «achas que no Senegal há universidades?” e me responda que nom… É um insulto para mim. E é triste. Mas decidimos aguentar tudo o que ouvimos. Porque saímos para perguntar e se as pessoas nos respondem mal ou dim cousas que nom gostamos, temos de engolir isso porque temos de mostrar ao público que é isso que eles pensam de nós.
Tens-te envolvido na campanha #RegularizaciónXa?
Estou a apoiar de fora. É umha iniciativa que me parece mui importante. Gostaria de me envolver mais do que o fago, mas tenho muito trabalho e estou sempre sem tempo. Entom, o que fago é divulgar informaçom sobre a campanha.
Já gravaste curtas, filmes e até umha série. Como é que fas para relacionares os teus projetos com o ativismo?
A última série que fiz foi “Antidisturbios”, do Rodrigo Sorogoyen e acho que é uma das melhores séries da atualidade. O bom dessa série é que, depois de fazer o casting, passárom-me o guiom e quando o lim, identifiquei-me muito com o meu personagem.
Há outros projetos que eu honestamente nom gostei muito porque é o típico filme americano em que o preto morre primeiro. Precisamos revisar de que projetos gostamos e dos que nom, rejeitá-los. Há pouco tempo, rejeitei um personagem escravo porque achei ridículo. Mas há cousas que tenho de aceitar porque temos de viver e a realidade é que a gente do estado espanhol não está habituada a ver negros no grande ecrã. Aos poucos vamos derrubando barreiras. Para mim, a melhor forma de denunciar o racismo é por meio do formato audiovisual. Eu som ator e ativista e vou levar estas duas verdades comigo lá onde eu for.
“Há outros projetos que eu honestamente nom gostei muito porque é o típico filme americano em que o preto morre primeiro. Precisamos revisar de que projetos gostamos e dos que nom, rejeitá-los”
E no futuro, estarias interessado em explorar outras disciplinas?
De facto, estou a escrever o meu próprio livro, mas nom tenho pressa por publicá-lo. Cheguei de patera depois de quatro tentativas e estive a dormir na rua durante meses. Quero partilhar tudo isso no livro.
Neste momento o que eu mais quero nom é apenas atuar, mas ser diretor de cinema para poder dirigir os meus próprios filmes porque neste país o que precisam mesmo é ver negros a dirigir para que as cousas comecem a mudar. Estou a fazer formaçom para poder ser diretor.
#Regularizaciónya
#Regularizaciónya é um movimento formado por mais de umha centena de organizaçons sociais que se preocupam e trabalham para conseguir um processo de regularizaçom generalizada para todas as migrantes que vivem no estado espanhol. A iniciativa concretizou-se no contexto da crise da saúde, que evidenciou a condiçom de desigualdade em que vivem milhares de migrantes irregulares no estado. A maioria delas dedica as suas forças a trabalhos mal pagos e invisibilizados.
A proposta de regularizaçom formulada em Portugal e a exclusom dos migrantes irregulares do Rendimento Mínimo Vital foram os precedentes imediatos do movimento. Daí que se tivesse levado ao debate público a possibilidade de apresentar um projeto nom de lei (PNL) que avançasse com umha regularizaçom massiva, urgente e sem condiçons para toda a populaçom migrante.
Após um longo processo de debate e organizaçom, o movimento esboçou um rascunho do que viria a ser o PNL e, assim, deu início um novo debate no quadro institucional. Foi apoiado por oito grupos parlamentares, mas seria rejeitado no Congresso dos Deputados. A lei propunha, entre muitas outras cousas: “estabelecer um processo de regularizaçom permanente para todas as pessoas que atualmente residem em Espanha”, a concessom de residência até a alteraçom completa da Lei de Estrangeria, a renovaçom destas novas autorizaçons após cinco anos de residência legal, tutela do direito de asilo e proteçom, e o desaparecimento imediato dos CIES e das devoluçons express.
A PNL foi rejeitada por outras forças políticas no ámbito da legislaçom europeia que, nos últimos anos, endureceu a sua perspetiva migratória. Por isso, representantes do governo propugérom um encontro com a plataforma para desenvolver novos acordos e soluçons para a populaçom migrante que até hoje se encontra em profundo estado de vulnerabilidade. Neste momento, a #Regularizaciónya está a passar por um momento de reflexom e consideraçom sobre aquelas que deverám ser as suas próximas estratégias de trabalho.