Periódico galego de informaçom crítica

A esquerda, do lado do estado imperialista, deixa de ser esquerda”

por
ap

O so­ció­logo porto-ri­que­nho Ramón Grosfoguel con­ver­teu-se nos úl­ti­mos anos num dos mai­o­res re­fe­ren­tes do pen­sa­mento de­co­lo­nial, o qual ex­póm que os efei­tos dos sé­cu­los de do­mi­na­çom im­pe­ri­a­lista de oci­dente ainda es­tám a cons­truir as re­la­çons en­tre os po­vos do mundo. Grosfoguel vi­si­tou Compostela em se­tem­bro para par­ti­ci­par do co­ló­quio ‘Reflexons, ex­pe­ri­ên­cias e de­sa­fios da es­querda’ mas umhas ho­ras an­tes da pa­les­tra acei­tou umha con­versa para ana­li­sar a si­tu­a­çom in­ter­na­ci­o­nal e a es­querda ocidental.

Ultimamente, tens fa­lado muito so­bre a im­por­tán­cia do con­flito sí­rio para en­ten­der o pre­sente mun­dial. A que te referes?
Sim, é um sin­toma da queda da he­ge­mo­nia es­tado-uni­dense. Quando no sis­tema mundo um he­ge­mom está em de­ca­dên­cia, ocor­rem cou­sas como esta, que em cer­tas par­tes do pla­neta já nom é o im­pé­rio quem dita as pau­tas. Antes, a CIA or­ga­ni­zava um golpe de Estado se os EUA nom gos­ta­vam dum go­verno, agora te­nhem que re­cor­rer a es­tra­té­gias mais perversas.

Para en­ten­der o caso sí­rio, cum­pre en­ten­der a ge­o­po­lí­tica mun­dial e mais a do Oriente Médio de jeito par­ti­cu­lar. Na Síria, joga-se em vá­rias ca­ma­das: quanto ao po­der mun­dial, a re­cu­pe­ra­çom do pa­pel pro­ta­go­nista da Rússia e a ado­çom da es­tra­té­gia do Iraque por parte dos Estados Unidos. Quer-se di­zer, que pre­fe­rem des­truir o país a nom po­der go­verná-lo. Destruírom a Líbia, des­truí­rom o Iraque e agora des­truem a Síria. Quanto à ge­o­po­lí­tica da re­giom, dá-se umha tri­pla ali­ança si­o­nista-saudi-es­tado-uni­dense con­tra a Rússia, Irám e ou­tros po­de­res emer­gen­tes. O pro­jeto ori­gi­nal dessa ali­ança era ata­car o Irám, mas é‑lhes im­pos­sí­vel en­quanto Hezbollah se man­te­nha no sul do Líbano com po­tên­cia de mís­seis apon­tando a Israel. Por isso, para po­de­rem ata­car o Irám, cum­pre-lhes aca­bar com Hezbollah e com o seu cor­re­dor de ar­mas que atra­vessa a Síria desde o pró­prio Irám. Destarte, a ca­beça de al-Assad era fun­da­men­tal e apro­vei­tá­rom o le­van­ta­mento da Primavera Árabe con­tra a sua di­ta­dura, um mo­vi­mento ge­nuíno e po­pu­lar. Porém, essa luita cor­rom­peu-se quando os EUA, com os sau­di­tas e os si­o­nis­tas, criam e fi­nan­ciam os gru­pos waha­bi­tas, al-Nusra (a Al-Qaida sí­ria) e o ISIS. Mesmo lhes for­ne­cê­rom ar­mas pro­ve­ni­en­tes da queda da Líbia atra­vés da Turquia, ter­ri­tó­rio OTAN, e ex­ter­mi­ná­rom os lí­de­res da opo­si­çom de­mo­crá­tica. Queriam ten­tar o mesmo que já fi­ge­ram com Gadafi mas nom con­se­guí­rom o apoio da ONU. Assim, sur­giu um va­zio e a guerra pro­lon­gou-se fa­zendo cres­cer o ter­ro­rismo wahabita.

o wahabismo fornece-lhe o estereotipo de muçulmano que lhe cumpre a Ocidente para justificar a islamofobia nos seus países e reduzir direitos em nome da segurança

O waha­bismo nom tem nada a ver com o Islám tra­di­ci­o­nal, é umha forma co­lo­nial e som mi­no­ri­tá­rios. No mundo is­lá­mico sem­pre rei­nou a di­ver­si­dade. A pró­pria ideia do ca­li­fado como Estado is­lá­mico ho­mo­ge­nei­zado pro­vém di­re­ta­mente do mito mo­derno oci­den­tal do Estado-na­com uni­fi­cado que se es­tende após a re­vo­lu­çom fran­cesa. O ISIS é a Revoluçom Francesa e corta ca­be­ças como ela. O waha­bismo só tem dous­cen­tos anos e nom foi aceite como umha ver­som su­nita do Islám até o S. XX. Promovêrom-no os bri­tá­ni­cos para lui­tar con­tra os oto­ma­nos e mais tarde os Estados Unidos gra­ças à im­por­tân­cia da Arábia Saudita como pro­du­tor de pe­tró­leo. Aliás, con­si­dera os ou­tros mu­çul­ma­nos ini­mi­gos a par­tir dumha lei­tura li­te­ral do Corám ma­lhada da ótica do cris­ti­a­nismo pro­tes­tante an­glo-sa­xom. Por isso, foi-lhes tam útil na zona con­tra go­ver­nos anti-im­pe­ri­a­lis­tas, jus­ti­fi­cando in­ter­ven­çons mi­li­ta­res ou der­ro­cando-os. Por umha banda, o waha­bismo cons­ti­tui o ali­ado na­tu­ral do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano na re­giom, pola ou­tra for­nece-lhe o es­te­re­o­tipo de mu­çul­mano que lhe cum­pre a Ocidente para jus­ti­fi­car a is­la­mo­fo­bia nos seus paí­ses e re­du­zir di­rei­tos em nome da segurança.

Foche mui crí­tico com Unidos-Podemos re­cen­te­mente. Que achas tam grave nas suas posturas?
As es­quer­das oci­den­ta­li­za­das re­du­zí­rom todo à pers­pe­tiva dum ope­rá­rio branco oci­den­tal ide­a­li­zado e re­du­zem to­das as opres­sons a umha opres­som de classe. Partem da pre­missa de que vi­ve­mos num sis­tema de ex­plo­ra­çom, o ca­pi­ta­lismo, e que se mu­dar­mos o sis­tema eco­nó­mico, mu­da­re­mos tam­bém os ou­tros pro­ble­mas: pa­tri­ar­cado, ho­mo­fo­bia, ra­cismo, im­pe­ri­a­lismo… O la­bo­ra­tó­rio que de­mons­trou o fra­casso desse mo­delo foi o so­ci­a­lismo do S. XX. Nom só nom re­sol­veu es­sas ques­tons, mas nem se­quer o fijo com o pro­blema de classe e eco­nó­mico. Esse pa­ra­digma está ob­so­leto. Se tu te or­ga­ni­zas con­tra o ca­pi­tal à ima­gem do ca­pi­tal: de jeito ra­cista, se­xista, ho­mo­fó­bico, eu­ro­cén­trico, car­te­si­ano, cris­ti­a­no­cén­trico… aca­bas re­pro­du­zindo as suas di­ná­mi­cas; os meios de­fi­nem os fins. O ca­pi­ta­lismo nom é um sis­tema eco­nó­mico, é umha civilizaçom.

Se tu te organizas contra o capital à imagem do capital: de jeito racista, sexista, homofóbico, eurocéntrico, cartesiano, cristianocéntrico... acabas reproduzindo as suas dinámicas; os meios definem os fins. O capitalismo nom é um sistema económico, é umha civilizaçom

Agora mo­de­rá­rom-se e re­co­nhe­cem re­to­ri­ca­mente a opres­som da mu­lher e disto e do ou­tro, mas no fundo vol­tam ao mesmo. O caso de Unidos-Podemos com a Catalunha cons­ti­tui um exem­plo ób­vio. Falam de plu­ri­na­ci­o­na­li­dade ao jeito dos mo­vi­men­tos in­dí­ge­nas, mas re­al­mente es­tám a pro­por mul­ti­cul­tu­ra­lismo li­be­ral. Quer-se di­zer, re­co­nhe­cem a tua iden­ti­dade de ma­neira su­per­fi­cial e dam-che es­mo­las para que chou­tes e dan­ces no teu car­na­val fol­cló­rico, mas nom ques­ti­o­nes quem manda aqui, que só pode ser Espanha.

Que di Podemos pe­rante o caso ca­ta­lám? Que o re­fe­rendo é ile­gal e que por isso cum­pre nom apoiá-lo. Desde quando um pro­jeto de es­quer­das se su­bor­dina ao que dim as leis? Se há umha lei in­justa, vi­ola-se. Se cum­pre a de­so­be­di­ên­cia ci­vil, fai-se. O di­reito de au­to­de­ter­mi­na­çom é umha exi­gên­cia de­mo­crá­tica e justa. Se dis que só o vás apoiar quando seja le­gal, es­tás-te a si­tuar do lado de Rajoy, do Estado im­pe­rial es­pa­nhol e da con­ti­nu­a­çom do re­gime do 78. A única al­ter­na­tiva que lhe pro­po­nhem a Catalunha é des­mo­bi­li­zar-se e votá-los a eles para que al­gum dia no fu­turo che­guem a ga­nhar no Estado e mu­dem a lei. Que brin­ca­deira é essa? No en­tanto o povo ca­ta­lám re­a­liza um ato de de­so­be­di­ên­cia ci­vil que to­dos de­ve­ría­mos apoiar, a es­querda es­pa­nho­lista, à hora do “mambo”, vai-se para a ou­tra beira apoiar o re­gime do 78. O mes­mi­nho que a es­querda fran­cesa quando a in­de­pen­dên­cia da Argélia. Estamos a fa­lar dumha es­querda im­pe­ri­a­lista, co­lo­ni­a­lista, que nom en­tende o que im­plica ser um su­jeito opri­mido numha si­tu­a­çom de dependência.

ap

Mas é pos­sí­vel umha es­querda es­pa­nhola que nom seja im­pe­ri­a­lista por definiçom?
É que no mo­mento que tu tens umha es­querda que se si­tua do lado do Estado im­pe­ri­a­lista, deixa de ser es­querda. O que de­mons­tra Podemos é que re­pre­senta a ver­som mais in­te­li­gente da re­no­va­çom do Estado im­pe­rial es­pa­nhol, e isso é di­reita. O Estado es­pa­nhol fun­dou-se como um Estado im­pe­rial e foi toda a vida um Estado im­pe­rial. Se re­al­mente fos­sem sé­rios na ideia da plu­ri­na­ci­o­na­li­dade, nom se or­ga­ni­za­riam nas na­çons sem Estado. Porém, o seu pro­jeto é que a in­te­gri­dade do Estado im­pe­rial es­pa­nhol con­ti­nue in­tacta. O pior de todo é que som ce­gos ao seu pró­prio na­ci­o­na­lismo es­pa­nho­lista, é abrai­ante. Eu nom du­vido da ho­nes­ti­dade de Pablo Iglesias, de Errejón e de to­dos eles, mas o seu qua­dro ca­te­go­rial re­duz-se ao co­lo­ni­a­lismo de esquerda.

no momento que tu tens umha esquerda que se situa do lado do Estado imperialista, deixa de ser esquerda

Como vês as es­quer­das so­be­ra­nis­tas em re­la­çom à ótica decolonial?
Devem-se per­gun­tar que tipo de Estados in­de­pen­den­tes vam cons­truir e nom vol­tar ao Estado-na­çom ho­mo­ge­nei­zado do na­ci­o­na­lismo li­be­ral tra­di­ci­o­nal ou re­pe­ti­rám Espanha. Repetiriam as do­mi­na­çons de gé­nero, con­tra os mi­gran­tes, con­tra os ci­ga­nos, con­tra os mu­çul­ma­nos… Cumpre re­no­var a nar­ra­tiva iden­ti­tá­ria ga­lega, basca e ca­talá cara a iden­ti­da­des na­ci­o­nais plu­ri­ver­sais que con­te­nham em si toda a di­ver­si­dade de par­ti­cu­la­res. Por exem­plo: o ga­lego-ci­gano, o ga­lego-mu­çul­mano… Umha iden­ti­dade que as con­te­nha to­das sem hi­e­rar­qui­za­çons. Na que já nom é um só o que de­fine o que tem que ser o ga­lego, se­nom que en­tre to­dos de­fi­ni­mos para to­dos o que é ser ga­lego. Para isso cum­prem es­tru­tu­ras de au­to­no­mias en­tre di­fe­ren­tes et­ni­ci­da­des den­tro do ga­lego. Cumpre re­a­li­zar o giro decolonial.

Desde os anos se­tenta, o so­be­ra­nismo ga­lego ca­te­go­ri­zou a Galiza como co­ló­nia frente a Catalunha e Euskal Herria, que se­riam na­çons de­pen­den­tes com re­la­çons de po­der mais con­ven­ci­o­nais na Europa. Isto ex­pli­ca­ria os di­fe­ren­tes rit­mos po­lí­ti­cos. Qual é a tua opiniom?
Isso re­mete-nos para as hi­e­rar­qui­za­çons di­fe­ren­ci­a­das den­tro do Estado es­pa­nho­lista. Galiza e al-Ándalus fô­rom sa­que­a­das. Polo con­trá­rio, as bur­gue­sias basca e ca­talá man­ti­vê­rom cum­pli­ci­dade co Estado e par­ti­ci­pá­rom dum jeito mais pro­ta­go­nista na con­quista das Américas. A Catalunha é um lu­gar se­mi­pe­ri­fé­rico, sem­pre foi um lu­gar in­ter­mé­dio que exer­ceu de cen­tro frente a ou­tras pe­ri­fe­rias. O País Basco tam­bém com res­peito às Américas. O caso ga­lego é um caso de con­quista muito mais forte e de es­pó­lio das po­pu­la­çons lo­cais. Esse pro­cesso de ex­plo­ra­çom e do­mi­na­çom exer­ceu-se dumha forma muito mais crua e de­ter­mi­nou as re­la­çons so­ci­ais até o presente.

Agora os meios conseguem criminalizar os movimentos revolucionários até dentro das esquerdas mundiais

Para con­cluir­mos, im­pli­ca­che-te pu­bli­ca­mente na de­fesa da Venezuela con­tra úl­ti­mos ata­ques do que al­guns já de­no­mi­nam Nova Operaçom Condor con­tra os go­ver­nos la­tino-ame­ri­ca­nos. Que nos po­des di­zer do que está a acon­te­cer alá?
Agora mesmo há umha guerra eco­nó­mica, umha guerra mi­li­tar, umha guerra po­lí­tica e umha guerra me­diá­tica con­tra Venezuela. Neste mo­mento, o mais pa­té­tico é o si­lên­cio que vês nas es­quer­das. Antes, nos oi­tenta, quando ata­ca­vam aos san­di­nis­tas, ha­via um mo­vi­mento de apoio in­ter­na­ci­o­nal. Agora os meios con­se­guem cri­mi­na­li­zar os mo­vi­men­tos re­vo­lu­ci­o­ná­rios até den­tro das es­quer­das mun­di­ais. É abrai­ante o seu si­lên­cio so­bre a Venezuela e como es­tám a ser cúm­pli­ces dessa ma­neira. Alguns mesmo re­pe­tem as bar­ba­ri­da­des que leem na im­prensa. Começando por Podemos, a pro­pó­sito, que ma­ni­festa umha am­bi­gui­dade in­crí­vel. Som es­quer­das mui co­lo­ni­ais, ma­ne­jam umha epis­te­mo­lo­gia mui eu­ro­cén­trica que lhes fai re­pro­du­zir aquilo con­tra o que te­o­ri­ca­mente es­tám a lui­tar. Podemos, da ótica de Laclau, in­ter­pre­tou o 15‑M re­a­li­zando umha ana­lo­gia com a Guerra da Água da Bolívia, com o Caracazo da Venezuela ou com o Corralito ar­gen­tino. E sim, aca­bá­rom pro­du­zindo os go­ver­nos de Evo, Chávez e os Kischner, por­que ha­via um man­dato po­pu­lar claro que se or­ga­ni­zou. Mas Podemos é umha umha cri­a­çom do Facebook e me­diá­tica. Nom te­nhem um mo­vi­mento de qua­dros, um mo­vi­mento po­pu­lar que, de abaixo, dê um man­dato. Eles mon­tam numha onda e mon­tam por cima.

 

O último de Em movimento

I‑le-gal

A vizinhança comuneira de Tameiga, em Mos, leva anos luitando contra o
Ir Acima