
Há já uns aninhos, em um artigo anterior nesta mesma seção, explicávamos como em 1896 o sueco Arrhenius prognosticou que a queima dos combustíveis fósseis iria provocar um aumento da temperatura no planeta. E se para o químico escandinavo isto traria “climas melhores e mais estáveis, sobretudo nas regiões mais frias da Terra”, hoje em dia, este aquecimento global contempla-se, em geral e com poucas exceções, como uma imensa catástrofe de consequências imprevisíveis: Aumento no nível do mar, secas prolongadas com redução dramática dos recursos hídricos em amplas regiões e diminuição da biodiversidade dos ecossistemas.
Devemos dizer também que a origem antropogénica (emissões de CO2 e outros gases estufa) desta mudança climática de que padecemos, convertida em verdade paradigmática, conta apenas com uma minoria de céticos e detratores dentro da comunidade científica internacional. Estes contra-argumentam que o clima está a variar continuamente devido a causas naturais, como a atividade solar ou as erupções vulcânicas intensas. O debate centra-se neste ponto no ritmo das mudanças e na área do planeta afetada por elas.
Mas façamos um pouco de história. Sabemos que durante a Idade Média, entre os séculos X e XIV, o Hemisfério Boreal desfrutou de temperaturas mais altas do que as atuais. Foi o denominado Ótimo Climático Medieval. Nessa época colhia-se vinho na Inglaterra, na Dinamarca ou… em Mondonhedo. E quando os vikings noruegueses colonizaram a “Kalaallit Nunaat” dos inuits, batizaram-na como Gronelândia, literalmente, “Terra Verde”. Eram tempos em que o nível do Oceano Atlântico converteu Ogrove em uma ilha (“et ecclesiam Sancti Uincentii in insula Ocobre cum dextris suis”. Ano 899, S. Vicente d’Ogrove).

A esta época de benignidade climática seguiu-se a chamada Pequena Idade do Gelo, que chegou até meados do XIX. No século XVII os noruegueses viram-se obrigados a abandonarem a Gronelândia devido aos rigores climáticos. Nessa mesma altura, tornaram-se célebres os quadros de patinadores nos canais de Amesterdão de pintores como Avercamp, Ruysdael ou Grimmer. Em Londres, o rio Tamisa congelou pola primeira vez em 1607 e pola última em 1814. Em 1695, era tão grande quantidade de gelo no oceano, que não existia mar aberto em torno da Islândia. E nos Alpes, os glaciares cobriram aldeias inteiras, causando milhares de vítimas. Um período de climatologia especialmente adversa durante esta Pequena Idade do Gelo foi o denominado Mínimo de Maunder tardio (1675–1715), caracterizado por temperaturas especialmente baixas e continuados vendavais, com um forte impacto económico e demográfico na Nossa Terra (colheitas más e aumento da mortalidade), daí que se multiplicaram por todo o país as preces públicas “pro serenitate temporis”.
Voltando à atualidade. Existe um consenso quase total em que, independentemente de quais forem as suas causas, estamos a padecer um aquecimento à escala planetária. Na Galiza, o último quarto do século XX caracterizou-se por um clima ameno, com invernos mais curtos e primaveras adiantadas. Nos últimos anos, este aumento de temperaturas é algo mais que evidente e começa a atingir igualmente a água do mar. E se todos os seres vivos estão sendo influenciados em maior ou menor grau por ele, as aves, pola sua mobilidade, estão a ser os seus mais precoces bioindicadores. Assim, nas últimas décadas, produziu-se a extinção do galo-montês (Tetrao urogallus) e do arau-comum (Uria aalge) e deu-se uma redução drástica nas populações de charrela (Perdix perdix).
as aves, pola sua mobilidade, estão a ser os seus mais precoces bioindicadores
A chegada do XXI trouxe o desaparecimento das “pitas-do-monte” da Serra dos Ancares, o seu último refúgio galego. Os Montes de Cervantes marcavam o limite sul-ocidental na Europa desta espécie boreal, herança das últimas glaciações. Sem dúvida, fatores como a abundância de javalis, a caça excessiva e o furtivismo, a diminuição do pastoreio, com o seu efeito regulador da cobertura vegetal dos matos, a abertura de caminhos florestais ou o turismo poderão ter influído negativamente na sobrevivência da espécie, mas achamos que o fator determinante para a sua extinção terá sido o climatérico.

Outra espécie nortenha que tem o limite sul-ocidental da sua área de distribuição na Galiza é a charrela, daí a sua especial vulnerabilidade e interesse biogeográfico. Nas nossas serras orientais, as últimas charrelas vivem acima dos 1.200 m. de altitude e em número cada vez menor. As causas do declínio desta perdiz serão similares, sem dúvida, às do seu primo o galo-montês.
Os araus-comuns são aves marinhas mergulhadoras que, ao contrário dos extintos pinguins (Pinguinus impennis), os seus parentes, não perderam a capacidade de voar. A sua área de cria, fundamentalmente circumpolar e nórdica, alargava-se polas costas atlânticas até alcançar a Península, onde em tempos aninhavam milhares de exemplares. Na década de 60, inicia-se o decréscimo dos nossos “pinguins”, com o desaparecimento das colónias cantábricas. Em 70, unicamente restavam umas poucas colónias enfraquecidas, três na Galiza (Sisargas, Vilão e Sies) e uma quarta em Portugal (Berlengas). Ano 2015, Cabo Vilão (Camarinhas), última cria confirmada. E se, como nos casos anteriores, o processo de extinção foi multicausal: poluição marinha (especialmente derrames de petróleo e refino), afogamento em artes de pesca, predação exercida por gaivotas, diminuição dos recursos piscícolas… Talvez e do mesmo modo, o motivo último fosse a mudança climática.
o aquecimento global não só nos trouxe desaparecimentos ou rarefações, também espécies próprias de zonas mais cálidas da Península criam agora na Nossa Terra
Mas o aquecimento global não só nos trouxe desaparecimentos ou rarefações no mundo ornitológico. Espécies próprias de zonas mais cálidas da Península criam agora na Nossa Terra. Poremos só dous exemplos:
A toutinegra-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala) é um passarinho característico do matagal mediterrânico espesso, que até aos anos 70 não foi detetado entre nós. Ocupou primeiro o litoral e agora está-se a expandir no interior do país, sendo cada vez mais frequente.
Em anos recentes apareceu também o andorinhão-pálido (Apus pallidus), espécie meridional, que foi colonizando a franja costeira atlântica desde o sul do Douro até chegar a cidades como a Crunha ou Ferrol, tendo aninhado nesta última nos mesmos guindastes dos estaleiros!
Antes, diz que pola falta de visibilidade associada aos abundantes nevoeiros e orvalhos, as observações de abutres eram raras na Galiza, mas nos últimos anos fizeram-se habituais… Mau presságio?