
Desde finais do verao passado, Afrogalegas constituiu-se como coletivo para dar voz às mulheres racializadas e constituir um espaço confortável e seguro em que reconhecerem-se e empoderarem-se. Sonia Mendes já conhecia algumhas das companheiras com as que nom só partilha as mesmas violências senom também os mesmos interesses. Poucos meses depois, Claudibel somou-se ao grupo. “Vim que sentiam o que eu, já nom me era umha estrangeira”.
Que mudanças produzírom em vós estar em Afrogalegas?
Claudibel: Sinto-me mais tranquila. Há companheiras com as quais partilho traços culturais que me lembram os meus costumes e isso acalma a raiva que tinha dentro.
Sonia: Reparei que há um sítio na sociedade que ocupamos ainda que nom nos deixem visibilizá-lo. Também vim que há mais pessoas que sentem esta raiva. Caminhamos cara a um movimento social com voz.
Que passos considerades que cumpre dar para chegar a esse ponto, do movimento social com voz?
Sonia: Primeiro há que conhecer o carácter do grupo, saber bem o que queremos e que nom se perdam os nossos objetivos. A nível pessoal, acho que devemos ser um movimento social que torne visível a nossa situaçom.
Claudibel: Dar passos face à organizaçom da sociedade negra na Corunha e nom estar divididas. Temos umha história comum e devemos organizarmo-nos para conseguirmos esse movimento social.
Como é ser afrodescendente na Corunha?
Sonia: É ser invisível. Semelha que nom és nem cabo-verdiana, porque nom participas da sua sociedade, nem galega.
Claudibel: Coloco um exemplo. Estava em aulas quando um professor falou da diversidade e di “aqui todos somos brancos”. Nesse momento, acordei. Quem som eu aqui? Perguntava-me. O professor continua: “mas dentro do branco há diferentes tons”. Rim em alto. Logo, ele pediu desculpas. (Fai umha pausa). Por vezes, nom me consideram negra, mas quando fago algo do qual nom gostam já soltam todo o seu racismo. Sacam todos os prejuízos sobre o que é ou nom ser umha mulher negra.
Quais som os prejuízos sobre a mulher negra?
C: Ser picante, fogosa, que canta bem e é umha fera na cama. Surpreende que saibas falar bem e, ademais, assim cho dim à cara. Colocam sempre o foco sobre ti: onde moras, se conheces a língua galega. Eu nom a falo, mas sim a entendo. Continuam-me perguntando se o percebo ou mudam de idioma quando falam comigo.
S: A hipersexualizaçom, que nom tés formaçom… Sem direito a queixar-te. Que só valemos para cuidar, cozinhar…
C: Que vendes o teu corpo. Isso desde bem pequena!
S: Que ser negra é sinónimo de ser ‘fácil’.
C: Que vás ser agressiva, e podo sê-lo porque é o meu carácter ou porque tu, com o teu racismo, provocaste que eu seja assim.
"Perguntam quantos anos levo no estado espanhol, quando no próprio curriculum tenho posto que nascim em Burela. Eles próprios acreditam na ideia de que nom és de aqui."
Estas violências também se dam no plano laboral?
Sonia: Combinar umha entrevista de trabalho já me exige mentalizar-me ante o golpe que vai ser. De início, o olhar de arriba a abaixo. Perguntam-se o que fai esta negra ali. Reparam na minha origem em vez de na minha formaçom. Perguntam quantos anos levo no estado espanhol, quando no próprio curriculum tenho posto que nascim em Burela. Eles próprios acreditam na ideia de que nom és de aqui.
Ademais, semelha que só tés um nicho laboral. Se nom és cuidadora, estás a passar do lugar desenhado para as negras. Porque me tenho que sentir assim? Porque nom lhes podo chamar a atençom? Se fosse suíça ou norte-americana, o trato seria bem diferente.
Como é a relaçom com as instituiçons?
Sonia: O racismo também é institucional porque está dentro das estruturas da sociedade. Por exemplo, em Burela, existe um discurso normalizado de ideias racistas, mas ali acham que nom o som. Os meus pais fôrom imigrantes e parece que estám em estado permanente de agradecimento, um carácter que temos que ter as filhas. E nós, ou nascemos aqui ou estamos desde crianças, e deveríamos ter os mesmos direitos que as demais. Mas nom. Entom queixas-te e os progressistas berram-che porque estás a erguer a voz e podes incomodar às que dim que só tentam ajudar-te.
O mesmo nas instituiçons educativas. Tivem professores que me faltavam ao respeito e umha catedrática, em concreto, dizia cousas como que por ser negra nom o íamos ter mais doado nas aulas.
Claudibel: Ao chegar tivem que fazer umha prova de nível e, ainda que me dixérom que corresse bem, decidírom baixar-me um ano e meter-me num grupo reduzido. Nesse grupo, davam menos conteúdos e muito mais fáceis. Sentim-me envergonhada. Dérom por feito que nom ia ser capaz de sacar adiante um nível mais baixo que o meu. Nas discotecas e bares tiram da idade o direito de admissom. Entram pessoas e a mim pedem-me o cartom de identidade, ficam a olhar para ele e depois dim que só podem entrar maiores de 21 quando som 18. Esses sítios já os tenho vetados. Inclusive, num dixérom-me diretamente que nom me deixavam entrar por ser latina.

Como se desnaturalizam as violências?
Sonia: Depois de ir trabalhando interiormente, vês que atitudes que semelhavam normais para ti eram racistas e é duro. É umha boa aprendizagem, mas dura.
Claudibel: Corregia-me o sesseio. Sentia que nom podia molestar, que nom tinha o mesmo direito.
Sonia: Quando o meu pai chegou à Galiza estava por morrer Franco e entendo o sentimento de eterno agradecimento que tinha. Mas nom somos essa primeira geraçom. Porque devemos estar agradecidas se esta é a nossa sociedade? Quando conseguim desmontar atitudes e episódios traumáticos da infância, contei aos meus pais que isso fora racismo. Há pessoas às que nom gostam de lembrar, mas há que reconhecê-lo.
Claudibel: Naturalizei que me sexualizaram tanto. Cheguei a acreditá-lo de mim própria e a pensar em que o único tema de conversa era que de onde provinha e se estava integrada. Aceitei que me digessem que falava mal e dói-me ter pedido o sotaque, que deixei atrás porque me faziam sentir diferente. Era umha mofa à minha palavra. Agora parece-me engraçado porque querem falar como se fossem latinos por moda.
Como combinades as culturas?
Claudibel: Deixei a minha cultura para adquirir outra com quinze anos. O meu mecanismo de defesa foi camuflar-me. Agora já nom, agora defendo‑o.
Sonia: Percebe-se a falta de referentes. É umha consequência da colonizaçom. Depois de anos, decatei-me de que estava a lidar com duas culturas. Som um híbrido cultural: cabo-verdiana e galega, tenho duas avós (ri). Segundo vás medrando tratas de gerir as duas, mas sempre tratam de colocar umha por cima da outra. Há que deixar que fluam mais.
Claudibel: Presume-se de diversidade, mas se fosse certo haveria mais interculturalidade.
Sonia: Porque colocam o foco em nós se nom existe um protótipo de “ser galega”? Porque se nos exige abandonar o que é nosso?
Qual é a vossa relaçom com o movimento feminista, especialmente a raiz do 8 de março no que surgírom críticas sobre a falta de representatividade e reivindicaçons das mulheres racializadas?
Claudibel: Gostaria de sentir-me tam identificada como as minhas companheiras. Nom me sinto representada para nada com umha mulher branca e burguesa. Perante isto, sinto-me fora de lugar e como um bicho raro. Conheço feministas que se declaram antirracistas, mas realmente nom o som e aí vês a superioridade que tenhem, os poderes. Nom podo chamar alguém assim de companheira. Antirracismo nom é dizer que está mal que te chamem negra de merda, é ter formaçom e atitude decolonial.
Sonia: O movimento feminista é fundamental e como Afrogalegas participamos juntas. No 8 de março também estivemos representadas. O feminismo negro é importante, ser capazes de assumir e denunciar a existência de discriminaçons por sermos negras, mulheres e de classe trabalhadora. É necessário ver também a representatividade de cada afrogalega. Falas com companheiras e vês que a linguagem limita, a incompatibilidade horária, as cargas familiares… Nom todas as pessoas podem aderir. Tu nom podes luitar por mim quando a raça é o que mais me limita, o mais importante.
Claudibel: Sim, pedem-nos que escolhamos entre raça e género.
"fam-che sentir todo o tempo que tés que demonstrar algumha cousa e isso queima. Dim-che que nom és negra, mas moreninha. Porque te molesta que me sinta negra?"
Sonia: Somos muito visíveis. Saes à compra, no autocarro… fam-che sentir todo o tempo que tés que demonstrar algumha cousa e isso queima. Dim-che que nom és negra, mas moreninha. Porque te molesta que me sinta negra? Por que carregas de negatividade “ser negra”?
Claudibel: Por exemplo, a mim custou-me identificar-me como negra pola cultura dominicana. Mas, como outra pessoa me vai dizer com o que me tenho que identificar?
Sonia: Fora o Black Friday, como se lhe chama agora aos saldos do Natal, todo o que leva a palavra negro tem conotaçom negativa.
Claudibel: A linguagem influi muito. Quando te expressas dis quem és. Se tés umha linguagem racista é que há estruturas racistas que ainda mantés na cabeça.
Sonia: Semelha que racista é só quem nos mata.
Antes de rematar a entrevista, as duas reafirmam que “Afrogalegas está aqui para ficar” e que vam continuar a se fortalecerem e caminhando com este projeto que é “um espaço para falar e reflexionar como mulheres negras que alçamos a voz”. Esforçarem-se em (re)conhecerem-se as umhas às outras, e matizam: “As negras somos diferentes entre nós, nom somos umha massa homogénea”.