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Após a COVID-19: Umha crise feita de muitas crises

por
vera-cruz mon­toto

Os efeitos da gestom da pandemia da Covid19 chegarám em forma de crise económica e social. E, como em todas as crises, tudo indica que as suas consequências vam afetar especialmente os setores de populaçom mais precários e em situaçom de exclusom social. Na primeira fase de contençom da pandemia, com o objetivo de evitar o colapso sanitário, pugérom-se de relevo as graves consequências dos cortes na saúde pública. Agora, abre-se um panorama de incerteza perante umhas novas condiçons em que o ponto de partida som os problemas sociais já existentes nas sociedades capitalistas. Esta incerteza traduz-se numha falta de capacidade imediata para fazer prediçons, e marca também um ponto de encruzilhada. Abrem-se potencialidades ‑como a valorizaçom dos trabalhos essenciais ou a emergência de grupos de apoio mútuo‑, mas também grandes riscos ‑como o piorar dos níveis de vida de amplas capas da populaçom ou a intensificaçom da tecnologia de controlo-.

Agora es­ta­mos a ver umha crise pro­vo­cada por um shock de oferta, que tam­bém re­sulta num shock de pro­cura”, ex­pom o eco­no­mista Adrián Dios. Esta crise ao mesmo tempo que afe­tará as es­tru­tu­ras eco­nó­mi­cas de cada país terá con­sequên­cias glo­bais e afe­tará as ca­deias de va­lor. Dios co­loca aqui um exem­plo: “Citroen pa­rou a sua pro­du­çom em Vigo nom polo con­fi­na­mento na Galiza, mas por­que nom ti­nha ca­pa­ci­dade de ad­qui­rir com­po­nen­tes na China para con­ti­nuar a sua pro­du­çom”. Ademais, a Covid19 “vem agra­var umha ten­dên­cia mui pre­o­cu­pante para o ca­pi­ta­lismo mun­dial: a sua in­ca­pa­ci­dade para ob­ter ta­xas de lu­cro po­si­ti­vas”, acres­centa Dios. A pró­pria China es­tava a ex­pe­ri­men­tar as suas ta­xas de cres­ci­mento mais bai­xas em trinta anos.

Diversificaçom e ca­nais curtos

A ní­vel ga­lego, a si­tu­a­çom conta com pro­ble­mas acres­cen­ta­dos, como é a crise in­dus­trial. Na opi­niom de Adrián Dios, esta re­a­li­dade “está a agra­var-se por­que os dous se­to­res es­tra­té­gi­cos so­bre os que as­senta a eco­no­mia ga­lega na atu­a­li­dade vam ser par­ti­cu­lar­mente afe­ta­dos: o tu­rismo e o se­tor imo­bi­liá­rio e cons­tru­çom”. “Parece evi­dente que a di­ver­si­fi­ca­çom da eco­no­mia ga­lega e o seu res­gate in­dus­trial é mais ne­ces­sá­rio do que nunca”, acrescenta.

Dios aponta tam­bém que vai ser umha ne­ces­si­dade o re­forço dos ca­nais de pro­du­çom de pro­xi­mi­dade e co­mer­ci­a­li­za­çom em to­dos os se­to­res. “A pri­ori pa­rece claro que a ideia da so­be­ra­nia ali­men­tar de­ve­ria co­lo­car-se no cen­tro do de­bate em re­la­çom à or­ga­ni­za­çom do se­tor pri­má­rio em toda Europa”, expom.

Adrián Dios: “O ca­pi­ta­lismo vai ter de ser re­es­tru­tu­rado ou­tor­gando um peso mui su­pe­rior ao Estado”

Pode tra­zer todo isto umha mu­dança pro­funda no mo­delo eco­nó­mico atual? Polo me­nos nom se­me­lha que traga con­sigo umha apro­xi­ma­çom ao so­ci­a­lismo. “O ca­pi­ta­lismo vai ter de ser re­es­tru­tu­rado ou­tor­gando um peso mui su­pe­rior ao Estado, em con­tra­po­si­çom ao dogma ne­o­li­be­ral dos úl­ti­mos qua­renta anos”, opina Dios. “O Estado está, em ter­mos prá­ti­cos, a pa­gar o sa­lá­rio de 60% dos tra­ba­lha­do­res do nosso país. Quer di­zer, a po­tên­cia do Estado para in­ter­vir a eco­no­mia é ab­so­lu­ta­mente avas­sa­la­dora em re­la­çom às in­ca­pa­ci­da­des do mer­cado, a ques­tom é que exista von­tade de que a in­ter­ven­çom seja re­a­li­zada em fa­vor do ca­pi­tal ou em fa­vor das mai­o­rias sociais”.

Crise de cuidados

A pan­de­mia da Covid19 está a evi­den­ciar quais as cri­ses já pre­sen­tes no dia-a-dia. Umha de­las é a dos cui­da­dos. Helena Sanmamede é a fun­da­dora de Étikas, um pro­jeto que as­ses­sora tra­ba­lha­do­ras au­tó­no­mas e pro­je­tos de eco­no­mia so­cial. Afirma que “a cha­mada crise sa­ni­tá­ria é em re­a­li­dade umha pan­de­mia agu­di­zada por umha crise de cui­da­dos em que já es­tá­va­mos mer­gu­lha­das e que já vi­nha agra­vada polo co­lapso fi­nan­ceiro de 2008, a qual re­sul­tou numha crise eco­nó­mica da qual nom es­tá­va­mos em ab­so­luto re­cu­pe­ra­das”. Assim, con­clui tam­bém que a pa­rá­lise la­bo­ral e eco­nó­mica pro­vo­cada po­las me­di­das de con­fi­na­mento está a acen­tuar já as de­si­gual­da­des exis­ten­tes. “E como em to­dos os pe­río­dos de re­ces­som eco­nó­mica se­rám as mu­lhe­res a acu­sa­rem umha maior perda de tra­ba­lhos”, acrescenta.

Voltando à crise dos cui­da­dos, Sanmamede ex­pom as con­tra­di­çons pre­sen­tes na nossa so­ci­e­dade ar­re­dor des­tes tra­ba­lhos. “Em tema de cui­da­dos, o nosso sis­tema eco­nó­mico-so­cial já es­tava no fio da na­va­lha, no li­mite”, afirma Sanmamede. “Vemo-lo no fun­ci­o­na­mento da sa­ni­dade, que fi­cou em evi­dên­cia com esta pan­de­mia. Vemo-lo nos la­res de ido­sas, no cui­dado das cri­an­ças, do fo­gar, nas pes­soas sem fo­gar, mi­gran­tes, em risco ou si­tu­a­çom de ex­clu­som, com di­ver­si­dade fun­ci­o­nal, de­pen­den­tes…”, enumera.

Helena Sanmamede: “Em tema de cui­da­dos, o nosso sis­tema eco­nó­mi­co­so­cial já es­tava no fio da navalha”

Assim, Sanmamede aponta que “nom tí­nha­mos umhas po­lí­ti­cas que en­fren­tas­sem to­das es­tas ques­tons de ma­neira pla­ni­fi­cada, glo­bal, uni­ver­sal e hu­mana. Estamos a ver mais do que nunca como as ‘so­lu­çons’ mais nom som do que re­men­dos sem vi­som de es­tado nem es­tra­té­gia de cres­ci­mento so­cial”. Segundo ex­pom, isto evi­den­cia que o sis­tema de cui­da­dos vi­gente con­ti­nua a ter a sua base na fa­mí­lia tra­di­ci­o­nal, “e, por­tanto, nas mu­lhe­res, se­jam da pró­pria fa­mí­lia ou em­pre­ga­das do fo­gar”, re­fere Sanmamede, en­quanto este mo­delo de fa­mí­lia tra­di­ci­o­nal se en­con­tra em vias de extinçom.

Para esta eco­no­mista, “nom ha­verá em­prego de qua­li­dade nem ver­da­dei­ras opor­tu­ni­da­des de en­trada no mer­cado de tra­ba­lho para toda a po­pu­la­çom ativa se nom há uns ser­vi­ços so­ci­ais de qua­li­dade. O nosso sis­tema so­cial só atende o que se pres­su­pom ‘norma’ e nom olha para as mar­gens, e com Covid19 tam­pouco”. Assim, para Sanmamede “é um reto so­cial en­fren­tar isto como co­le­ti­vi­dade, e toda a ci­da­da­nia te­mos res­pon­sa­bi­li­dade na hora de exi­gir mu­dan­ças, no­vas olha­das e no­vas po­lí­ti­cas a aque­las pes­soas em quem votamos”.

O patriarcado sabe manter-se em pé

A nova crise, tal como apon­tam as vo­zes con­sul­ta­das, traz con­sigo tam­bém um im­pacto de gé­nero que se tra­duz numha maior afe­ta­çom para as mu­lhe­res de­vido à maior pre­ca­ri­e­dade la­bo­ral. Mas nom se en­con­tra só esse pro­blema. Assim, Helena Sanmamede ad­virte de que pe­rante a ‘nova nor­ma­li­dade’ que se está a es­ta­be­le­cer “te­re­mos que nos re­a­dap­tar, mas as hi­e­rar­quias es­tám a ser as mes­mas”. Esta for­ma­dora acha que a pan­de­mia acres­centa au­men­tos na re­a­li­dade pré­via, e que no caso dos cui­da­dos “re­pro­du­zem-se os ro­les e mesmo se intensificam”. 

Expom tam­bém um caso: o cui­dado e edu­ca­çom das cri­an­ças du­rante o con­fi­na­mento nas ca­sas: “A es­cola e o jar­dim de in­fán­cia pas­sam a se de­sen­vol­ver no in­te­rior do fo­gar e, como era de es­pe­rar, to­das es­sas ho­ras a mais de aten­çom que as cri­an­ças pre­ci­sam, que an­tes es­ta­vam ‘ex­ter­na­li­za­das’, som agora en­fren­ta­das, em larga me­dida, po­las mulheres”.

Durante o con­fi­na­mento con­tiuá­rom a ser as mu­lhe­res a de­di­car mais tempo às ta­re­fas domésticas

Helena re­co­lhe umha das evi­dên­cias que deixa esta pan­de­mia, que o tra­ba­lho de cui­da­dos é es­sen­cial na nossa so­ci­e­dade, e sa­li­enta umha rei­vin­di­ca­çom do mo­vi­mento fe­mi­nista: “Cumpre in­ver­ter a or­dem na hi­e­rar­qui­za­çom dos tra­ba­lhos. Atualmente es­tám pri­o­ri­za­dos os tra­ba­lhos pro­du­ti­vos com umha re­mu­ne­ra­çom ou umha con­tri­bui­çom di­reta ao ca­pi­tal, em que se dá a cir­cuns­tân­cia de se­rem os que te­nhem maior pre­sença mas­cu­lina”. “O que o fe­mi­nismo pro­pom é que se­jam os tra­ba­lhos de cui­da­dos os que es­te­jam na cús­pide de im­por­tân­cia re­la­tiva, nom tanto por se­rem os mais fe­mi­ni­za­dos, mas por se­rem os im­pres­cin­dí­veis na vida”, aponta.

Três áreas de impacto

Por sua vez, a pro­fes­sora Mónica Ferrín sa­li­enta três as­pe­tos em que a pan­de­mia tem um im­pacto so­bre as mu­lhe­res. O pri­meiro de­les é o da saúde pú­blica. Assim, re­fere que a mai­o­ria do pes­soal sa­ni­tá­rio som mu­lhe­res e que es­tas fô­rom as mais afe­ta­das pola sua de­di­ca­çom sa­ni­tá­ria. A se­gunda área ‑coin­ci­dindo com o que ex­pu­nha Sanmamede- é a dos cui­da­dos. Assim, acha que du­rante o con­fi­na­mento con­ti­nuá­rom a ser as mu­lhe­res a de­di­car mais tempo às ta­re­fas do­més­ti­cas. E acres­centa umha vi­vên­cia: “Na mi­nha pro­fis­som, por exem­plo, um as­peto que se está a ver é que os ho­mens co­me­çá­rom, em de­ses­pero, a en­viar para jor­nais ar­ti­gos para pu­bli­car e os das mu­lhe­res re­du­zí­rom-se”. E o ter­ceiro ponto que ex­pom Ferrín é o da vi­o­lên­cia do­més­tica, pois “neste con­texto em que as mu­lhe­res nom po­dem sair à rua os ca­sos disparárom”.

Ferrín rei­vin­dica que na ges­tom desta crise vai ser ne­ces­sá­rio apli­car umha pers­pe­tiva de gé­nero, “pois vai ter con­sequên­cias mui ne­ga­ti­vas para as mu­lhe­res que se en­con­tra­rem sem­pre em si­tu­a­çons la­bo­rais mais precárias”.

O que pode acon­te­cer no fu­turo? Esta pro­fes­sora da Universidade da Corunha si­tua-se numha dis­jun­tiva. Indica as­sim um efeito po­si­tivo, que se­ria “a re­va­lo­ri­za­çom de to­das es­sas ta­re­fas que fam as mu­lhe­res ha­bi­tu­al­mente, que som as pior pa­gas, e que nom se­jam só as mu­lhe­res a as­su­mi­rem es­ses tra­ba­lhos”. Porém, tam­bém teme que isto seja logo es­que­cido e acon­teça justo o con­trá­rio, “que se­jam elas a se­rem afe­ta­das de forma mais in­tensa pola crise”.

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